Queda de Cunha joga país em dia de "Game of Thrones" sem mocinho

Após sofrer goleada no STF (11 a 0) Eduardo Cunha perde a presidência da Câmara e tem mandato suspenso. "Ele não tem as condições pessoais mínimas" para o cargo, disse ministro Teori Zavascki.

Ueslei Marcelino / Reuters

Eduardo Cunha dormiu presidente da Câmara, acordou fora do cargo e seu futuro político é incerto.

Por 11 votos a 0, o Supremo Tribunal Federal afastou Eduardo Cunha (PMDB) da presidência da Câmara dos Deputados e suspendeu seu mandato parlamentar. É a primeira vez que o tribunal afasta o presidente de uma das Casas do Congresso.

O afastamento de Cunha – que havia sido definido em liminar (decisão provisória) do ministro Teori Zavascki e foi referendado à tarde – é mais um episódio do Game of Thrones em que se transformou a política brasileira durante o segundo mandato de Dilma Rousseff.

Como na série, o enredo do Brasil que emergiu da Lava Jato é de uma sucessão de alianças e traições de operadores políticos, tentativas de intimidação numa briga sangrenta pelo poder. Com uma diferença notável: não há qualquer coisa parecida a um mocinho no panorama político.

Cunha, carrasco da petista, que aceitou e conduziu o processo de impeachment, agora, perde o poder.

Nos últimos meses, Cunha costumava dizer que Dilma cairia antes dele, mas os dois foram abatidos praticamente juntos.

Enquanto a política ferve, a economia patina: o país vive a sua pior recessão desde 1930, com encolhimento de 8,7% do PIB (soma de tudo que é produzido no país) entre 2014 e 2016, segundo projeção da FGV.

O cenário mais provável é que o Senado aprove, com maioria folgada, a continuidade do processo de impeachment e o afastamento de Dilma em meados da próxima semana.

O processo de impeachment contra Dilma baseia-se na prática das chamadas "pedaladas fiscais", uma espécie de manobra contábil condenada pelo Tribunal de Contas da União.

Em casos não relacionados ao impeachment em curso, Dilma também é suspeita de tentar obstruir investigações da Lava Jato e delatores da empreiteira Andrade Gutierrez afirmaram que destinaram propina devida por contratos na Petrobras e no sistema elétrico à campanha dela e do vice-presidente Michel Temer em 2014.

Enquanto enumerava o catálogo de malfeitos atribuídos a Cunha (do recebimento de propina da Petrobras, contas secretas na Suíça, intimidação contra testemunhas, advogados e servidores públicos), o ministro do STF Teori Zavascki concluía que o peemedebista “não possui condições pessoais mínimas” para estar na linha de sucessão presidencial.

E cereja do bolo: a própria presença de Cunha no cargo e na linha sucessiva da Presidência é “pejorativa e conspira contra a dignidade” da Câmara dos Deputados.

O voto de Teori foi acompanhado por Edson Facchin, Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski.

Cunha, que nega ter se beneficiado de recursos de corrupção ou intimidado testemunhas, disse que não vai renunciar. A defesa do deputado ainda analisa como vai recorrer.

O que vem pela frente

É difícil prever o que acontece com a conturbada política brasileira após o afastamento de Eduardo Cunha.

Michel Temer deve a Cunha sua provável ascensão ao Palácio do Planalto. Se por um lado Temer não terá de negociar com um Cunha sentado na cadeira de presidente da Câmara, o deputado do Rio pode ser uma peça importante do novo governo.

Atribui-se a Cunha poder sobre um clã de 100 ou 150 deputados do chamado "baixo clero", como é conhecido o grupo de congressistas sem expressão junto ao público e com pouca influência na Casa.

Uma das dúvidas é se este clã terá motivos para continuar fiel a um líder como Lorde Stannis Baratheon.

Como sabem os fãs da série, aquele personagem de "Game of Thrones" manobrou como pôde por mais poder, mas acabou totalmente enfraquecido e desamparado no final.

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