9 sobreviventes de suicídio contam como estão aprendendo a viver

"Por achar que estava sendo um fardo para todos, eu não pude ver com clareza a rede de apoio que eu tenho ao meu redor."

De acordo com os dados de 2015 do Ministério da Saúde, 11 mil pessoas tiram a própria vida por ano no Brasil, o que dá uma pessoa a cada 45 minutos. O suicídio é a terceira maior causa de morte entre homens jovens (de 15 a 29 anos), ficando atrás de crimes praticados com violência e acidentes.

É urgente a conscientização sobre suicídio, uma vez que psiquiatras consideram que a 90% dos casos poderiam ser evitados e, quem sobrevive, sem nenhum apoio, tratamento e acompanhamento, tem grande probabilidade de reincidência.

Este é o objetivo da Campanha Setembro Amarelo: trazer a luz e quebrar o estigma sobre o suicídio para que as pessoas próximas possam oferecer apoio e quem sofre com pensamentos suicidas seja capaz de visualizar que está passando um quadro depressivo, uma condição que tem tratamento.

1. "Nunca vi meus pais sofrerem tanto. Mas aí tudo mudou, eu realmente vi que não queria morrer."

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"Sempre tive depressão. Eu tentava me manter ocupada e segui assintomática até a faculdade. Mas com o curso me cobrando demais, trabalhando em lugares horríveis e assistindo meu ex-abusivo ficar com outra menos de um mês do final do relacionamento, tive minha primeira crise e tentei me matar pela primeira vez.

Sobrevivi porque meus pais perceberam rápido o que fiz, mas fiquei com algumas sequelas durante um tempo, mãos tortas, fala lenta. Depois de seis meses veio a segunda vez, comecei um tratamento medicamentoso e vivia dopada. Seis meses tentei de novo, desta vez quase morri de verdade, fiquei internada no pronto-socorro, entubada, as veias dos meus olhos arrebentaram e fui parar em uma clínica que tratava pessoas com distúrbios mentais graves.

Nunca vi meus pais sofrerem tanto. Depois disso eu realmente vi que não queria morrer. Ainda trato a depressão, mas com uma certeza tão forte de que quero continuar vivendo, que me forço a não desistir, mesmo que seja muito difícil. Também tenho ser boa comigo, me perdoar principalmente, essas situações não aconteceram porque eu sou fraca e não amo minha família e amigos, mas porque estava doente.

É passado, só conto isso porque gostaria que todo mundo tivesse a mesma oportunidade que eu: sobreviver. Dois anos depois, eu me sinto 99% curada, graças a muita terapia e apoio da minha família". – Anônima, 24 anos, de Belo Horizonte.

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2. "Até hoje minha família age como se isso nunca tivesse acontecido. Eu estou contando essa história porque é muito importante tentar quebrar esse tabu."

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"O estopim foi uma briga feia com a família. Lembro de entrar na área de urgência do hospital. Fiquei dois dias internada, e nesse meio tempo lembro de ter tomado soro na veia, de tirarem minha roupa e me colocarem avental de hospital, fazerem eletrocardiograma. Depois disso, eu só lembro de acordar em casa.

Até hoje minha família age como se isso nunca tivesse acontecido. Eu estou contando essa história porque é muito importante pra mim e acho que pra muita gente tentar quebrar esse tabu. Sinto que sendo 100% honesta e aberta posso ajudar outras pessoas a se acharem no mundo.

Na época, eu fiquei com 100% de certeza que deveria ter morrido, nada melhorava. Meu namoro também parecia estar desandando, além do relacionamento com os meus pais e a minha irmã. Hoje em dia eu olho pra trás e, em alguns momentos, penso que que não queria ter sobrevivido.

Mas eu estou aprendendo aos poucos a gostar de viver ao invés de viver esperando morrer. Com certeza absoluta é um processo muito lento". – Anônima, 20 anos, de Botucatu.

3. "Problemas chegam, você acha eles enormes, assustadores, pensa que está sozinho no mundo. Mas a gente é muito maior que qualquer problema."

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"Eu já tentei me matar vezes. Eu tinha 14/15, 18/20 e 25 respectivamente. E hoje ajudo no CVV. O mundo dá voltas, não é mesmo?

Tenho depressão, TOC e TDAH diagnosticadas, mas hoje as três estão muito bem obrigada graças à terapia e apoio dos meus amigos. Parece clichê, mas é verdade que com ajuda e se cercando de quem te ama os problemas de vida parecem bem menores e 'solúveis'.

Demorei muito a falar sobre e buscar ajuda. Acredito que se isso não fosse um tabu talvez nem a primeira tentativa teria acontecido sabe? Por que é isso: problemas chegam, você acha eles enormes, assustadores... Pensa que está só no mundo. Mas a gente é muito maior que qualquer problema.

De resquício disso ganhei uma gastrite, histórias assustadoras pra contar e a consciência de que poderia 'solucionar' meus problemas, mas também me privar de algumas das melhores experiências que já tive na vida. Ponto e vírgula é algo muito melhor que ponto final". - anônima, 28 anos, São Paulo.

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4. "Só quem vive com algum transtorno sabe como ele nos cega, nos faz ter certeza que ninguém nos quer por perto, que ninguém liga."

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"Numa semana, eu acordei e decidi que eu não tinha mais o que fazer nesse mundo. Pensava que talvez fosse melhor pra todos se eu não estivesse mais presente. Planejei tudo e segui com o meu dia normalmente. Fui ao estágio, conversei com alguns colegas sobre a minha vida, queria que elas tivessem uma lembrança boa de mim, alguma empatia.

Meu namorado ia pra casa depois do trabalho, queria que ele me encontrasse já sem vida. Mas meu corpo não desligou e eu continuei consciente. Eu ainda estava acordada, mas meu corpo não respondia. Eu só chorava esperando a morte e chorava por estar me vendo morrer sem conseguir me mexer.

Foi quando a vida resolveu que eu merecia uma chance. Meu namorado voltou duas horas mais cedo do trabalho. Me pegou no colo, me colocou no carro e me levou ao hospital. Eu não lembro muito dessa parte. Acordei três dias depois na UTI.

Quando todo o efeito passou, eu percebi o quanto tudo podia ser diferente. Por achar que estava sendo um fardo para todos, eu não pude ver com clareza a rede de apoio que eu tenho ao meu redor. Só quem vive com algum transtorno sabe como ele nos cega, nos faz ter certeza que ninguém nos quer por perto, que ninguém liga.

Depois deste episódio, eu voltei a morar com a minha mãe. Não considero isso uma derrota e sim uma vitória por conseguir dar um passo pra trás pra poder pegar impulso. Meu namorado me cuida também, mas sei que não dou mais o 'trabalho' de antes. Eu pude aceitar e procurar um auxílio médico e psicológico. Acertei as medicações e vivo plena.

Mês passado isso fez um ano e sou grata por estar tendo essa oportunidade de compartilhar essa história. Mas não precisa ser do jeito que foi comigo. Sempre há um caminho. Dificuldades todos temos, mas com jeitinho a gente vai bem". - Anônima, 24 anos, Boston.

5. "Ainda sinto as dores do procedimento médico e o mal estar da adaptação com os remédios. Mas também me sinto um pouco mais forte por ter o apoio das pessoas mais importantes pra mim."

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"No começo do ano passado, comecei a tomar antidepressivos leves pois tive um fim de relacionamento complicado. Até aí estava tudo estava ok. Mas meio desse ano tive brigas feias em casa e as coisas pioraram tanto que eu sai de casa e fui morar com uma família conhecida.

Comecei acompanhamento mais próximo com psiquiatra e passei a tomar remédios mais fortes. Porém, mesmo medicada, sentia a mesma sensação de vazio, culpa e vontade de sumir. Então, depois de uma crise desencadeada por novas brigas, no dia 16 de agosto eu tentei me matar. Minha mãe chegou a tempo de me socorrer e me levou pro hospital. Fiquei uns dias na UTI.

Até agora não sei muito bem como se sinto, faz menos de um mês, mas é uma sensação mista de culpa, por ter feito tanta gente ficar preocupada, com alívio, por ter tido uma nova chance. Logo após, recebi o diagnóstico de Transtorno Borderline o que tem direcionado bastante o tratamento e me ajudado a entender o que acontece na minha cabeça.

Ainda sinto as dores do procedimento médico, as dores de todos os lugares que precisei furar pra tirar sangue e o mal estar da adaptação com os remédios. Mas também me sinto um pouco mais forte, por estar me recuperando aos poucos, e ter o apoio das pessoas mais importantes pra mim.

Tenho enfrentado um dia de cada vez e tentado aprender a sonhar, me apegar as coisas boas e sobreviver, para um dia ter uma vida melhor pra mim mesma. Porque apesar da minha cabeça me dizer o contrário eu mereço, como qualquer outra pessoa, viver. E é por isso que vou lutar". - Anônima, 18 anos, Taboão da Serra.

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6. "Ler minha carta que escrevi foi assustador pois durante a crise era notório o meu desespero. Agradeço a Deus por não ter consumado o suicídio."

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"Eu já tentei me matar algumas vezes, mas meu marido sempre me impediu. Eu tenho depressão e ansiedade/síndrome do pânico e faço tratamento com uso de remédios psiquiátricos e acompanhamento psicológico, mas isso não me livrou das ideações suicidas.

A última foi a que mais me marcou. Eu já tinha planejado tudo. Escrevi uma carta e só estava esperando meu marido e meu filho de dois anos dormirem. Eu já estava vendo tudo escurecer quando meu marido me acudiu. Naquele mesmo dia ele correu comigo para o hospital psiquiátrico para procurar ajuda.

Depois desse dia, eu já tive vontade e pensei em suicídio várias vezes, mas acho que estou superando isso. Ler a carta que escrevi foi algo assustador pois durante a crise era notório o meu desespero. Agradeço a Deus por não ter consumado o suicídio". - Anônima, 25 anos, Santo André.

7. "Lembro que tem muita gente passando pela mesma coisa que eu e penso: só por hoje. Só mais um dia. Vai passar."

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"Tenho 35 anos. Sou formada em duas faculdades, uma delas ligada a área de saúde mental. Sei como identificar comportamentos suicidas e que tratamentos recomendar. O que não me impediu de ter ideações suicidas.

Quando eu terminei meu mestrado, comecei a trabalhar, passei por um período doente muito sério que quase me matou e minha família me cercou de cuidados. Ali pensei em como morrer era algo simples, porém complexo para quem fica, e o pensamento de sobreviver veio na minha mente como uma meta. Eu me curei, e achei que nunca mais ia querer morrer por minhas próprias mãos.

Até entrar em outro trabalho e sofrer assédio moral. Isso me fez tão mal a ponto de me fazer pensar novamente em suicídio. Eu tinha vários motivos para viver: meus pais, meu noivo, meus alunos, meus colegas de trabalho. Mas eu queria morrer. Por sorte, uma amiga minha veio atrás de mim, e descobriu o que eu estava fazendo. Ela me impediu e implorou que eu procurasse ajuda.

Hesitante, resolvi primeiro aplicar meus conhecimentos em mim mesma. Aos poucos fui melhorando, mas ainda tinha pensamentos suicidas. Mas quando fui demitida, decidi que tinha chegado a minha hora. Mas finalmente ouvi minha amiga e meu pai e decidi procurar ajuda.

Fui ao psiquiatra. Ele me deu remédios, recomendações. Eu comecei a tomar antidepressivos, mas a sensação não passava. E a culpa também, não. Eu sou terapeuta, eu sei como me curar, por que não conseguia me sentir melhor?

Eu ainda faço uso de medicação. Eu sigo os mesmos conselhos que dou aos meus pacientes. Eu ainda tenho ideações. Mas lembro também que tem muita gente passando pela mesma coisa também. E penso: só por hoje. Só mais um dia. Vai passar". - Anônima, 35 anos, Curitiba.

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8. "Hoje eu tenho muita tranquilidade para falar sobre o assunto, consigo enxergar o panorama da situação da época e, principalmente, consigo me perdoar."

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"Foi uma época muito confusa que eu me sentia muito triste e sozinha, mesmo cercada de pessoas, tentando entender o que estava acontecendo comigo. Mas nem eu mesma entendia porque agia como agia ou falava as coisas que falava. Machuquei muita gente que eu amo nessa época. No dia seguinte, eu acordei determinada a poupar todo mundo do problema que eu tinha certeza que eu era, na vida de todo mundo.

Então, em um dia eu tive uma briga homérica com o meu então namorado e com meu pai, e, totalmente em crise, tentei me matar. Minha mãe foi como uma louca me buscar junto a meu irmão. Meu pai foi tão rápido que chegou quase que ao mesmo tempo que a gente no hospital.

Mas em vez de me acudir ele começou a discutir comigo no meio do pronto socorro e só parou quando eu disse que um dos maiores culpados de aquilo estar acontecendo, era ele. A partir daí eu não me lembro muito. Só me lembro de acordar no CTI com meu pai ao pé da minha cama.

Eu conheci o meu terapeuta lá mesmo no hospital. Ele era o plantonista e, desde então, sou paciente dele. Com o diagnóstico de transtorno de personalidade borderline as coisas pelo menos tinham uma direção de tratamento a seguir. Ainda não é fácil lidar com tudo que esse transtorno acarreta, com tudo que eu sinto.

Mas quando a gente procura ajuda e se dispõe a ser ajudado, as coisas vão melhorando aos poucos. É difícil porque as pessoas não querem nem ouvir a palavra suicídio. Parece até um Voldemort, que se a gente disser o nome fica mais forte!

Três anos depois, eu tenho muita tranquilidade para falar sobre o assunto, consigo enxergar o panorama da situação da época e, principalmente, consigo me perdoar. Tenho pessoas incríveis ao meu lado, família , amigos e um namorado que procuram ao máximo se envolver e ajudar no meu tratamento além entender mais sobre o próprio transtorno". - Anônima, 26 anos, Belo Horizonte.

9. "Eu pareço sempre estar ótima e tenho meus segredos e sei que qualquer pessoa que está passando por mim pode estar passando pelo mesmo que eu."

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"Eu já tentei me matar algumas vezes, mas só em uma delas eu realmente quase morri. Minha vó me encontrou e junto com minha tia me levaram pro hospital. Tive algumas alucinações e em uma delas minha gata falava pra mim: 'Você tem certeza que vai fazer isso? Imagina quem te encontrar morta... Deve ser traumatizante'.

Acredito que se eu não tivesse fazendo esse acompanhamento, eu teria tentado novamente. Mas ninguém mais à minha volta sabe. É uma questão que eu tenho vergonha de contar pras pessoas. Não quero que sintam dó de mim ou que achem que sou descontrolada.

As únicas pessoas que sabem do que aconteceu são meu pai, mãe, avó, tia e meu namorado da época – que nunca entendeu minha depressão. Apesar de tudo, eu me sinto muito sortuda porque eu tenho condições financeiras de ter acompanhamento psicológico e psiquiátrico porque sei que muitos não têm.

Eu sou uma pessoa bem sociável, tenho muitos amigos, saio sempre. Mas quando eu estou em crise sumo de tudo e não consigo contar com ninguém. As pessoas tendem a ser muito receptivas na teoria, pra dizer que 'sempre que você quiser conversar eu estou aqui' 'qualquer problema, eu estou do teu lado', mas na prática, a gente tá sempre ocupado demais com os próprios problemas e acaba não tendo tempo só pra estar ao lado de alguém que precisa, sem julgamento nenhum.

Depois da minha última tentativa, eu mudei muito a minha forma de enxergar o outro. Eu tento muito ser um sorriso na vida do outro no dia-a-dia, nem que seja só com um 'bom dia'. Eu pareço sempre estar ótima e tenho meus segredos e sei que qualquer pessoa que está passando por mim pode estar passando pelo mesmo que eu". - Anônima, Brasília.

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Se você estiver lidando com pensamentos suicidas, você pode conversar com alguém do CVV pelo número 188 ou acesse www.cvv.org.br.

O Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio também fornece dados e grupos de apoio a sobreviventes, assim como a cartilha da Associação Brasileira de Psiquiatria.

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