Aquela amizade chega com o brilho no olhar, a pele vistosa e as duas narinas desentupidas. Percebendo isso você já lança a pergunta "E aí, como foi a viagem?". A amizade olha pra cima como se esperasse uma resposta de alguma entidade divina e diz: "Foi incrível, CÊ TEM QUE IR!". Você, que como eu, nunca consegue viajar, olha para ela e fala: "Claro, vou sim. Rsrsrs", mas no fundo está pensando: "Bicho, nem sair de casa, saio".
Morando em uma cidade tão multicultural quanto São Paulo, também conhecida como a Pangeia brasileira, eu decidi provar dois pontos. O primeiro é que é possível dar a volta ao mundo e conhecer outras culturas sem sair de SP. O segundo é um desafio pessoal: quero superar o ranço que eu tenho de acreditar que viajar virou SOMENTE uma maneira de ganhar mais likes no insta. Nada contra, inclusive faço.
Desse desafio veio a ideia de listar os dez destinos de outras culturas que são tendência em 2018 e tentar conhecê-los sem sair de São Paulo. Zona de conforto? Tô fora! Com a ajuda da Volks peguei um Virtus e fui embora.

1. FEIRA KANTUTA (Bolívia)
A primeira coisa que eu preciso falar sobre a Feira Kantuta é: eu conversei com um xamã. Isso por si só já é daora demais. Além de me mostrar os diversos traços da cultura boliviana presentes na feira como a comida, os artesanatos e o serviço de acompanhamento social para os bolivianos que querem viver no Brasil, o xamã me contou sobre como a nostalgia tanto pode te manter refém do passado como pode também criar um aquário se você se sente um peixe fora d'água. Só não me ensinou a como não gastar vários dinheiros em lhamas de pelúcia e flautas.
2. CANUCKS POUTINERIE (Canadá)
Indo até o Canadá, que fica na Vila Mariana, conheci o Canucks Poutinerie. Eu até poderia falar das mais de duas horas de papo que tive com as simpáticas Carey e Luana, do restaurante intimista que te faz sentir-se em casa, da decoração patriota e tudo mais, mas eu preciso reservar um espaço para falar do poutine. Cara, poutine é muito bom. A batata com queijo coalho e molho gravy (tipo um molho madeira), junto com o ginger ale caseiro que elas fazem, têm um gosto que apenas um parágrafo seria pouco para explicar, mas que pode ser descrito em uma linha: que saudades dela.
3. LIVRARIA ALEMÃ BÜCHERSTUBE (Alemanha)
A Livraria Alemã Bücherstube, que fica no bairro do Campo Belo, é como a cultura alemã: eu mal conheço e já considero pacas. Ela consegue te deixar encantado com seus mínimos detalhes, impressionado com sua organização impecável e é tão marcante quanto as pessoas de lá, que são sempre respeitosas e atenciosas. Outra coisa que me marcou foi conhecer a Úrsula que transformou seu orgulho alemão em uma forma de se conectar com o Brasil e claro, fazer uma graninha.
4. GIOCONDA HELENIKÁ (Grécia)
Graças a chef Helena, a pizzaria Gioconda Heleniká consegue materializar tudo o que faz a cultura grega ser interessante: a decoração, a comida maravilhosa, a música típica e, claro, a tradicional — e divertida — quebra de pratos. Um desapego material que, segundo os gregos, representa a prosperidade. Não a prosperidade no sentido de enriquecer, mas a de ser bem sucedido na busca da felicidade e realização de desejos (favor ver minha foto com o prato). Bonito né!? Só não é mais bonito do que o tanto de pizza que eu comi lá.
5. VILA ZELINA (Lituânia)
Se você quer ter um gostinho do leste europeu conheça a Vila Zelina. O bairro fundado por Lituanos tem como regra a hospitalidade, como mostrou dona Janete ao nos deixar entrar em seu ateliê onde faz os artesanatos que mantém a cultura lituana viva em São Paulo. Com a presença de vários povos no bairro, é possível perceber que a convivência é o que faz com que barreiras culturais sejam quebradas e estereótipos derrubados.
6. CONGOLINÁRIA (Congo)
A Congolinária em Perdizes é um restaurante de gastronomia vegana do Congo comandada pelo chef Pitchou Luambo, um dos maiores chefs veganos da cidade de São Paulo. Ou seja, eu estava com os dois pés atrás porque eu amo carne. Além de quebrar a cara porque a comida estava MUITO boa, o restaurante consegue fazer, por meio da hospitalidade da equipe, com que pessoas como eu, que tiveram o passado apagado pelo racismo, se sintam em casa. <3
7. CALIGRAFIA ÁRABE COM ANAS HAFEZ (Síria)
Poucas pessoas tiveram tanto brilho no olhar para falar sobre a própria cultura como o Anas Hafez, um imigrante sírio que me ensinou um pouco sobre a belíssima caligrafia árabe enquanto contava sua história de vida. Depois de ouvir sobre como a cultura sírio-brasileira impacta a sua vida, a dos seus amigos e familiares, quem ficou impactado fui eu por ver como Anas faz parecer fácil a arte de dominar os pincéis.
8. FESTIVAL DAS LANTERNAS CHINESAS (China)
O que eu sabia era: que a cultura chinesa é riquíssima, que seus valores, sua caligrafia, língua e vestimentas são milenares e que a comida é muito boa. O que eu, e mais uma multidão, não sabíamos era que por meio dos shows de luzes, apresentações típicas e performances culturais apresentadas no Festival das Lanternas Chinesas no último dia 3 de março, no Parque do Ibirapuera, a cultura chinesa poderia ser tão acolhedora e calorosa. A sensação que ficou era que tínhamos começado o ano com o hashi direito.
9. PORTAL DA COREIA (Coreia)
O problema de eu falar sobre o Portal da Coreia é que eu não consigo parar de pensar na comida (MEU DEUS DO CÉU QUE SDDS), mas vou me esforçar. Diferente da cultura chinesa, que eu ainda tinha uma noção, sobre a Coreia a única coisa que eu sabia era que existiam duas. Com a ajuda da Érica Imenes, coautora do livro "K-Pop: Manual de Sobrevivência" e da Regina, dona do tradicional restaurante, eu aprendi como eles são disciplinados, atenciosos, hospitaleiros e como o K-pop é um dos movimentos que hoje mais conquista os jovens no Brasil e no mundo — inclusive estou escrevendo esse parágrafo ouvindo K-pop.
10. KIAORA (Nova Zelândia e Austrália)
Se você chegou até aqui, já percebeu que meu forte não é geografia. Com a Oceania não foi diferente, eu não sabia nada. O Kiaora me apresentou à cultura australiana e neozelandesa por meio dos pratos, das pinturas aborígenes e dos detalhes maoris. E agora que eu já falei do restaurante, queria reservar a última linha do texto para falar algo muito sério: Coma o fish and chips, é gostoso demais.

Duas coisas que aprendi nessa volta ao mundo sem sair de São Paulo:
1. Sim, é possível viajar sem sair de São Paulo, pois viajar é muito mais do que ter a oportunidade de rechear o insta e carimbar o passaporte: é se sentir vulnerável e empolgado por viver uma experiência desconhecida. É poder se conectar com outras culturas e lembrar de tudo que importa e nos une. É aprender que "A vida não é a festa que tínhamos imaginado, mas já que estamos aqui, vamos dançar!", como me disse o xamã na Feira Kantuta. E também que, como me mostrou a cultura africana, que o nosso passado não precisa ser nosso futuro. É descobrir, como os gregos, que a busca pela felicidade é a felicidade em si. Resumindo, turistar consegue atravessar todas as linhas e preconceitos existentes, podendo, DE VERDADE, mudar o mundo.
2. Comer é bom demais e na boa, cê tem que ir.
Fotos: Daniel Avila
Design: Son Tuyen
Quem me deixou de buchinho cheio: Volkswagen