Rede de ativistas busca ação global contra violência racial da polícia

    Mães de Maio e o americano Black Lives Matter se articulam em rede contra violência contra negros e pobres. "A bala que mata lá é a mesma que mata cá", diz ativista que teve filho morto pela PM de SP.

    Mães de Maio e outros movimentos brasileiros se uniram ao Black Lives Matter para montar uma rede internacional de combate à violência policial contra os negros e pobres. A rede envolve ativistas do Brasil, Estados Unidos, El Salvador, Canadá, Colômbia, Chile e México.

    Os grupos de direitos humanos começaram a se comunicar este ano por emails e redes sociais. O primeiro contato foi articulado pela parente de uma vítima da polícia brasileira que mora nos Estados Unidos.

    O Black Lives Matter surgiu como movimento organizado, nos Estados Unidos, após a morte do adolescente negro Trayvon Martin, na Flórida, em fevereiro de 2012. Martin foi morto com um tiro no peito disparado por George Zimmerman, que atuava como vigilante e alegou legítima defesa — ele foi considerado inocente pela Justiça.

    As Mães de Maio surgiram depois que, ao revidar as mortes de policiais em maio de 2006, durante os ataques do PCC (Primeiro Comando da Capital), facção criminosa que domina os presídios de São Paulo. Em apenas uma semana, entre 12 e 19 de maio daquele ano, houve mais de 600 homicídios.

    Em julho, cinco representantes do Black Lives Matter estiveram no Rio de Janeiro para conhecer os ativistas brasileiros. Entre os movimentos brasileiros, além das Mães de Maio, participaram a Rede de Movimentos e Comunidades contra a Violência, Justiça Global e Fórum de Manguinhos.

    Na pauta, relatos de abusos e mortes e a memória de casos emblemáticos da violência policial no Brasil.

    "A bala que mata lá é a mesma que mata cá", afirma Débora Maria da Silva, coordenadora das Mães de Maio, para explicar o que une essas entidades.

    Depois do encontro e de participar de um cerimônia de candomblé, os ativistas americanos comoveram as mães cujos filhos foram mortos pela polícia em maio de 2006. "Eles pediram a nossa bandeira para levar para os Estados Unidos e é como se tivessem levado os nossos filhos com eles", emociona-se Débora.

    Em entrevista ao BuzzFeed Brasil, Débora traça o mesmo retrato das vítimas da letalidade policial nos dois países: negros e pobres. E aponta para a mesma falha judicial: "os policiais são absolvidos nos dois países".

    As reivindicações desses movimentos são semelhantes: o controle de armas da polícia e o controle da polícia pela sociedade. "O Ministério Público não pode controlar a polícia", diz Débora.

    O grupo internacional ainda não tem nome, mas já articula um encontro oficial nos próximos meses. O país que sediará o evento ainda não foi definido.

    Uma das vítimas de maio de 2006 foi o filho de Débora Edson Rogério, 29, gari havia sete anos. Entre todos esses casos de morte, houve apenas a condenação de um policial, que aguarda em liberdade o julgamento de recursos, lembra Débora.

    Rogério havia extraído um ciso, e com dor, buscava o antibiótico que esquecera na casa da mãe. Foi executado na rua, com o atestado médico no bolso. Ficou com medo de faltar ao serviço e trabalhou doente.

    Anos antes, cumprira pena por roubo e recebera indulto. Ficou com a ficha limpa, conta a mãe, para quem o filho foi incriminado naquela época e só confessou sob tortura.

    Execução filmada

    No dia 7 de setembro de 2015, a morte de dois jovens da periferia de São Paulo ganhou destaque na imprensa e nas redes sociais depois que o site de jornalismo Ponte divulgou imagens inéditas das mortes.

    Paulo Henrique Porto de Oliveira, 18, e Fernando Henrique da Silva, 23, foram a mortos por policiais militares de São Paulo. As mortes seriam registradas como mais um caso de "resistência seguida de morte".

    Foi o que os policiais disseram: perseguiram os jovens que teriam roubado uma moto; eles teriam reagido e a polícia os teria matado no confronto.

    Mas as imagens revelam uma história de crueldade e frieza: Fernando Henrique foi jogado por policiais, depois de rendido, de um telhado a três metros do chão.

    Caído, foi morto a tiros. Paulo Henrique se entregou, mostrou estar desarmado, foi rendido e algemado.

    Colocado em uma calçada, sentado no chão, ficou minutos esperando sua "pena": foi executado pelos policiais, que depois colocaram uma arma em sua mão para corroborar com a tese de "resistência".

    As cenas são fortes:

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    Ponte Jornalismo / Via youtube.com

    Sete policiais foram denunciados pelos crimes e seis estão presos aguardando julgamento.

    "Mataram uma pessoa às duas da tarde, no meio da rua. Foi uma decisão fácil. Não houve nenhum conflito de consciência. Foi muita desfaçatez", diz o promotor do caso, Rogério Zagallo.

    Zagallo ficou conhecido por declarações polêmicas de defesa da atuação da Polícia Militar e combate o que chama de "PMfobia".

    "Em nenhum momento eu digo que o Estado tem de apelar para o banditismo. Se uma pessoa deu tiro para matar, está legitimada para receber (tiros da polícia). Mas essas duas vítimas estavam rendidas. Foi uma crueldade", diz Zagallo.

    Promotor do tribunal do júri, Zagallo diz ver diferença entre as vítimas brasileiras e americanas da polícia: "Não vejo um componente racial no Brasil. Vejo talvez um componente social".

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