• newsbr badge

Justiça suspende a incineração de 1.600 ossadas humanas não identificadas em SP

Prefeitura queria cremar as ossadas sem identificação do cemitério Quarta Parada, no Brás, e diz que medida não tem a ver com o processo de privatização. Especialistas afirmam que, entre os restos mortais, pode haver vítimas da ditadura e pessoas dadas como desaparecidas.

Depois de autorizar a incineração de uma única vez de 1.600 ossadas não identificadas do Cemitério Quarta Parada, no Brás, em São Paulo, a Justiça voltou atrás e suspendeu o processo de cremação que seria feito pela Prefeitura de São Paulo. A suspensão foi publicada no Diário Oficinal nesta terça-feira (24).

A Justiça atendeu a pedido de entidades de direitos humanos que apontaram que, entre as ossadas a serem incineradas, podem estar os restos mortais de perseguidos pela ditadura (1964-1985) e de pessoas desaparecidas ou vítimas de assassinatos não investigados. As ossadas são provenientes de exumações que ocorreram no período de 1941 a 2000.

Em fevereiro, a Prefeitura de São Paulo havia pedido a autorização para cremar os ossos que estão guardados no ossuário coletivo. O pedido foi feito à juíza Renata Pinto Zanetta, da 2ª Vara de Registros Públicos, que decidiu autorizar a cremação das ossadas no início deste mês.

O Condep (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), o ILADH (Instituto Latino Americano de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos), a Associação Brasileira de Busca e Defesa à Criança Desaparecida e o Sindsep (Sindicato dos Trabalhadores na Administração Pública e Autarquias no Município de São Paulo) ingressaram com um pedido de reconsideração da decisão na semana passada, o que foi atendido pela juíza.

Ela suspendeu a ordem de cremação e repassou o processo para análise do setor do Ministério Público que trata de pessoas desaparecidas, o Plid (Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos).

Ao BuzzFeed News a promotora responsável pelo Plid, Eliana Vendramini, afirmou que a medida de incineração das ossadas sem identificação é equivocada. Segundo ela, entre as ossadas pode haver restos mortais de desaparecidos políticos, de pessoas vítimas de extermínio e de pessoas desaparecidas que estão sendo procuradas por seus familiares e amigos.

A reportagem teve acesso ao processo que corre em segredo de Justiça. Ao analisar as imagens da disposição das ossadas, a promotora apontou que elas estão acondicionadas de maneira irregular, amontoadas. Vendramini disse que, num processo de identificação de ossada, não só o teste de DNA ajuda no trabalho e que é importante manter as ossadas o mais preservadas possível.

Para as entidades de direitos humanos que se manifestaram contra a decisão da prefeitura, incinerar as ossadas sem autorização das famílias é um atentado também ao direito à memória. As entidades, como o ILADH e o Sindsep, acusam a prefeitura de tentar incinerar os restos mortais para promover uma "limpeza" nos cemitérios e prepará-los para a privatização.

Este ano, a prefeitura retomou os estudos para a concessão dos 22 cemitérios e do crematório de Vila Alpina, uma proposta do ex-prefeito João Doria (PSDB), que deixou o cargo para disputar o governo do Estado.

A prefeitura nega que o pedido de cremação das ossadas seja uma iniciativa ligada ao processo de privatização. Segundo a assessoria da Secretaria de Prefeituras Regionais, responsável pelo Serviço Funerário, já havia um processo interno referente às ossadas em 2015, ainda na gestão do petista Fernando Haddad.

No entanto, o pedido à Justiça para a incineração foi feito apenas em fevereiro deste ano, depois de retomado o estudo da concessão dos cemitérios. A prefeitura afirmou também que as ossadas não são de pessoas não identificadas. Os sacos que acondicionam os ossos é que teriam perdido as etiquetas de identificação, segundo a administração municipal.

"O Serviço Funerário do Município de São Paulo esclarece que o procedimento não é inédito, tendo sido feito pela última vez em 2005, no Cemitério Quarta Parada, quando foram cremados 2.117 ossos. A prática não incide em atentado à memória e é regulamentada pelo provimento n°24/1993, da Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo", diz nota da prefeitura enviada ao BuzzFeed News.

A nota prossegue: "É importante ressaltar que esse serviço não tem qualquer relação com a concessão de cemitérios. Ele é necessário tanto para proteção ambiental quanto para criar espaço para novos sepultamentos".

A prefeitura disse que já recebeu o estudo de seis grupos interessados na concessão dos cemitérios e que deve lançar um edital de licitação. Os grupos são Almeida e Fleury, AEEM e Biazzo Advogados; Consórcio Zetta-CTAF-SPG-Pax Domini; Consorcio Zion; Ernst & Young; H&G Consultoria em Engenharia e Vale dos Pinheirais.

"Vale ressaltar que para a concretização da concessão dos cemitérios e do crematório municipal ainda é preciso autorização legislativa. O projeto de lei deve ser encaminhado em breve para a Câmara Municipal", conclui a nota da prefeitura.

Utilizamos cookies, próprios e de terceiros, que o reconhecem e identificam como um usuário único, para garantir a melhor experiência de navegação, personalizar conteúdo e anúncios, e melhorar o desempenho do nosso site e serviços. Esses Cookies nos permitem coletar alguns dados pessoais sobre você, como sua ID exclusiva atribuída ao seu dispositivo, endereço de IP, tipo de dispositivo e navegador, conteúdos visualizados ou outras ações realizadas usando nossos serviços, país e idioma selecionados, entre outros. Para saber mais sobre nossa política de cookies, acesse link.

Caso não concorde com o uso cookies dessa forma, você deverá ajustar as configurações de seu navegador ou deixar de acessar o nosso site e serviços. Ao continuar com a navegação em nosso site, você aceita o uso de cookies.