Debaixo de chuva, Chapecó chorou e cantou em memória dos seus campeões

    Hino da Chapecoense exalta a "força imensa de sua fiel torcida". Os versos estavam vivos em milhares de corações que batiam na Arena Condá, durante despedida do time.

    Numa parte do gramado do Estádio Regional Índio Condá, os cinquenta caixões estavam enfileirados, um a um, sob uma tenda imensa que dizia "nas alegrias e nas horas mais difíceis, meu furacão, tu és sempre um vencedor", versos do hino da Chapecoense.

    Por volta das 5h30 deste sábado, quando o sol nem tinha raiado direito, as pessoas começaram a chegar, aos poucos, à Arena Condá, como foi rebatizado o estádio depois da reforma que elevou de 12 para 22 mil sua capacidade em 2014. Os portões só foram abertos às 7h. Foi quando começou a chover.

    "Os melhores jogos da Chape foram debaixo de chuva", relembrou um segurança do clube, no momento em que se ouvia forte a torcida cantando na arquibancada.

    Nunca como nesta semana, as alegrias e as horas mais difíceis, versificadas no hino, estiveram tão juntas.

    Na noite de segunda, o time decolou de uma escala em Santa Cruz de la Sierra (Bolívia) voando para a partida mais importante de sua existência de 43 anos.

    Em Medellín (Colômbia), a Chape disputaria a sua primeira final internacional, a da Copa Sul-Americana, contra o Atlético Nacional. Um feito e tanto para uma equipe que, no passado recente, ainda gramava no ostracismo da série D do Brasileiro.

    No início desta semana, os moradores da próspera cidade do oeste catarinense (que enriqueceu com a agroindústria) viviam a alegria em estado puro.

    As horas mais difíceis chegaram abruptamente à 1h15 de terça, quando o Avro Regional Jet 85, da companhia LaMia, caiu, por falta de combustível, nas montanhas a menos de 50 km de seu destino. Dos 77 passageiros e tripulantes, 71 morreram.

    O goleiro Danilo, resgatado com vida, morreu a caminho do hospital. Ele virou ídolo ao defender uma bola dificílima, aos 47 do segundo tempo na semifinal contra o San Lorenzo, da Argentina, carimbando a ida da Chape à final da Sul-Americana.

    Após críticas duras de familiares, Temer voltou atrás e decidiu ir ao funeral na Arena Condá.

    Neste sábado, os corpos chegaram ao Brasil. Em Chapecó, houve duas solenidades.

    Após críticas duras de familiares, Temer voltou atrás e decidiu ir ao funeral na Arena Condá.

    A primeira começou por volta das 10h, pouco depois que os dois aviões da FAB tocaram a pista do aeroporto local. Foi uma solenidade de honras militares na recepção às vítimas da tragédia, com a presença do presidente Michel Temer e do governador de Santa Catarina, Raimundo Colombo.

    Carregados por militares do Exército e sob melodias marciais, os caixões foram levados diante do local onde o presidente estava. Foi uma cerimônia sóbria e comovente diante da imagem triste de dezenas de corpos sendo transportados.

    A indecisão de Temer de ir até o estádio, onde a multidão aguardava a chegada dos corpos, foi interpretada como insensibilidade.

    “Vou fazer o que lá? Cumprimentar ele? Nem o conheço. Vou deixar meu filho aqui e ir lá? Ele é que deveria vir aqui, é claro”, disse Osmar Machado, pai do zagueiro Filipe Machado, ao BuzzFeed Brasil.

    Ao ver a repercussão do caso, um assessor do Palácio do Planalto ligou para Osmar na tarde de sexta-feira para dizer que a presença do presidente no velório nunca esteve confirmada. O pai do zagueiro cortou a conversa: "Nem perca seu tempo comigo".

    Ilaídes Pacheco, mãe de Danilo, o herói da classificação, que comovera o país ao consolar um jornalista ao abraçá-lo em uma entrevista ao vivo, também não perdoou o presidente.

    "É ele a estrela da história? A estrela da história são os atletas que morreram. Agora, ele vem lá no aeroporto para entregar uma medalha para um representante das famílias? Ah, para com isso, vai...", disse, também ao BuzzFeed Brasil.

    Após a repercussão negativa, Temer voltou atrás. Logo após o fim da cerimônia no aeroporto, ele anunciou que iria ao funeral coletivo na Arena Condá.

    "Não disse antes que iria ao estádio porque, seu dissesse, a segurança iria colocar pórticos ao redor do estádio e revistar as pessoas que entram. Só comuniquei agora para facilitar a vida de todos", disse o presidente, negando ter recuado.

    Foi no estádio que o povo reencontrou seus campeões sob chuva, cantos e tristeza.

    Durante toda a manhã, uma multidão ignorou a chuva, que não tardou a se tornar torrencial, e foi ao estádio para esperar os heróis de Chapecó. As horas de espera foram preenchidas com cantos de arquibancada e a tristeza nos rostos das pessoas de verde e branco.

    Os torcedores muitas vezes pareciam congelados sob a chuva. Algumas cenas foram capazes de arrepiar mesmo alguém que nunca tenha entrado num estádio de futebol. Os gritos brotavam do nada e havia explosões de vibração, como no momento da chegada do mascote do time, o Índio Guerreiro, que anima a Chapecoense há quase cinco anos.

    À medida que chegavam os familiares, os torcedores aplaudiam e gritavam os nomes dos jogadores. Nada se comparou à chegada da mãe do goleiro. Quando Ilaídes Pacheco foi anunciada, a torcida reagiu gritando o nome de Danilo e se levantou para aplaudi-la.

    A gerente comercial Samantha da Costa, 28, chegou à porta do estádio às 6h. Esperou até a abertura dos portões e foi uma das milhares que não arredaram o pé por causa da chuvarada. É do fã-clube do goleiro Danilo. "O fã-clube vai continuar. Nós vamos cuidar dela agora. Ela vai ficar com a gente", disse.

    Esta atitude reflete uma proximidade rara entre um clube de futebol de primeira linha e a sua torcida e amplia a dimensão da tragédia no nível local.

    Por se tratar de uma cidade com 209 mil habitantes, os jogadores da Chapecoense costumavam ser vistos e interagir com a população na vida cotidiana – algo impensável em se tratando de grandes clubes de grandes cidades em que os ídolos são blindados em bolhas intransponíveis ao torcedor comum.

    A Chapecoense também foi conquistando torcedores aos poucos e, no curso de 43 anos, substituiu (ou, pelo menos, igualou) Internacional e Grêmio no imaginário da população, majoritariamente descendente de colonos italianos e alemães que primeiro passaram pelo Rio Grande do Sul.

    "A força imensa de sua fiel torcida".

    A Arena Condá não teve a capacidade esgotada por causa do mau tempo, mas uma estimativa de um dos organizadores contava 15 mil pessoas no local. Não é possível saber o número com precisão porque não houve contagem nas catracas de acesso.

    O cortejo foi acompanhado pelos telões e o público aplaudiu quando os caminhões decorados com símbolos do time chegaram à entrada do estádio. Um a um, com honras militares, os caixões foram trazidos à área reservada às famílias e autoridades. A torcida aplaudia, gritava e cantava a cada caixão que entrava no gramado encharcado.

    Dois discursos emocionaram o público sobretudo porque lembravam a solidariedade dos colombianos: o do prefeito Luciano Buligon e o do dirigente da Chapecoense Plínio David de Nes Filho. Os dois usaram frases em espanhol para agradecer o povo colombiano e o time Atlético Nacional. Os dirigentes do clube colombiano pediram à Conmebol que o título da Sul-Americana fosse conferido à Chape.

    Michel Temer não discursou.

    Na tarde deste sábado, a Arena Condá foi a grande casa do futebol mundial. O presidente da Fifa, Gianni Infantino, veio prestar suas homenagens às vítimas. Também estavam na cerimônia o ídolo espanhol Puyol (ex-Barcelona, campeão da Copa do Mundo de 2010) e o holandês Clarence Seedorf.

    No final da cerimônia, o técnico da seleção brasileira, Tite, foi muito aplaudido ao correr pelo gramado com uma bandeira da Chapecoense.

    Já o presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, foi espetado por um torcedor anônimo: "Não pode sair do país, né?".

    A referência é ao escândalo que levou a alta cartolagem da Fifa e da Conmebol à prisão por ordem da justiça dos Estados Unidos, no ano passado.

    A gratidão à gente de Medellín, que protagonizou na noite de quarta, um dos grandes momentos da história do futebol, ao lotar o estádio e o entorno onde seria disputada a final, ecoou nas mentes de chapecoenses comuns.

    O professor de ginástica Jean Francesco, 24, e a advogada Patrícia Pils, sua namorada, chegaram às 8h30, apesar de não terem um jogador preferido. "Nunca mais Chapecó ou Chapecoense vão ser a mesma coisa. Espero que a gente consiga superar isso".

    Emocionados com as homenagens dirigidas à grandeza dos colombianos, os dois disseram que o Atlético Nacional já é o segundo time da cidade.

    Quando escreveu a letra do hino da Chapecoense, o compositor Luiz Maier também achou por bem dedicar um verso à "força imensa de sua fiel torcida".

    A letra estava viva nos milhares de corações que batiam nas arquibancadas da Arena Condá neste sábado.

    Debaixo d'água, inclusive.

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