Antes do massacre de Manaus, guerra entre facções começou com onda de 22 mortes no Norte

    Em apenas três dias, 22 detentos foram assassinados por colegas em presídios de Roraima, Rondônia e Acre. Atribuídas ao PCC, mortes foram a senha da guerra entre facções no Norte e Nordeste.

    O destino dos 56 detentos assassinados no maior presídio do Amazonas foi selado três meses antes do massacre de segunda-feira, com a declaração de guerra entre o Primeiro Comando da Capital (PCC) e as facções do Norte e Nordeste, apoiadas pelo Comando Vermelho (CV).

    A maioria dos presos mortos no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus, não fazia parte de nenhum "partido", mas pagou o preço pela disputa de rotas e pontos de tráfico nessas regiões.

    O promotor Lincoln Gakiya, do Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado (Gaeco), que investiga os crimes do PCC em São Paulo há mais de dez anos, afirmou ao BuzzFeed Brasil que a guerra foi deflagrada em outubro.

    Naquele mês, houve uma série de assassinatos de detentos em presídios do Acre, Rondônia e Roraima, que são atribuídos ao PCC. Os mortos eram ligados a facções locais, como a Família do Norte (FDN), que são apoiadas pelo CV.

    "Em outubro, o PCC soltou alguns salves, que são esses 'documentos' internos que eles divulgam pelos presídios, anunciando o rompimento com o Comando Vermelho. Eles tentaram um acordo com o CV, mas o Comando Vermelho tinha se aliado a essas facções do Norte e Nordeste, onde o PCC queria crescer", disse Gakiya.

    No dia 16 de outubro, dez presos foram mortos em um confronto entre facções na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Boa Vista.

    No dia seguinte, oito presos morreram asfixiados por fumaça em uma rebelião na Penitenciária Estadual Ênio dos Santos Pinheiro, em Porto Velho.

    No dia 20, a rebelião ocorreu no Complexo Penitenciário Francisco D’Oliveira Conde, em Rio Branco, onde quatro pessoas morreram. Dias antes, um detento havia sido encontrado morto na cela.

    Gakiya explica que todos esses eventos estavam interligados e mostravam a tensão entre o PCC e as facções do Norte/Nordeste, ligadas ao Comando Vermelho.

    "Tudo gira em torno do tráfico de drogas. Eles (PCC) são muito organizados financeiramente, comandam boa parte do tráfico na fronteira, e querem se expandir pelo Norte e Nordeste. Não dominam só as rotas, como algumas facções, mas também as pontas, as bocas, as lojas", disse o promotor público.

    Segundo Gakiya, as primeiras matanças de outubro significavam a declaração de guerra do PCC ao CV.

    Em São Paulo, onde as duas facções eram tidas como aliadas, o governo tratou de separar preventivamente integrantes dos dois grupos.

    O Ministério Público (MP) do Rio de Janeiro trocou informações com o MP de São Paulo sobre o anúncio da guerra. E o Rio adotou o mesmo procedimento de separação.

    "Os presos do CV não queriam deixar o convívio com o PCC em São Paulo. Teve quem quisesse assinar um termo de responsabilidade para continuar no presídio e tem gente que se despediu se abraçando. A briga mesmo é com o CV do Norte e Nordeste", disse Gakiya.

    Para o investigador, a Família do Norte era "uma facção local" que só ganhou expressão após matar e decapitar dezenas de prisioneiros em Manaus, no dia 1o de janeiro.

    De acordo com estimativas do Ministério Público, há cerca de 400 integrantes do Comando Vermelho presos em São Paulo.

    O PCC domina 90% dos presídios, com cerca de duas mil pessoas distribuídas pela rede prisional do estado.

    Fora da prisão, há outros cinco mil integrantes, que pagam mensalidade de R$ 850. Fora de São Paulo, o efetivo do PCC é estimado em 22 mil criminosos.

    "O Brasil inteiro sabia de uma guerra"

    Segundo o promotor Lincoln Gakiya, que no final do ano passado realizou uma operação contra o PCC que resultou em um processo com 54 réus, entre eles dezenas de advogados que foram presos, a guerra entre as facções era de conhecimento público: "Todos (autoridades de segurança) sabiam que estava para eclodir, o Brasil inteiro sabia de uma guerra".

    Para ele, a separação das facções dentro dos presídios é a medida imediata mais importantes que deve ser adotada nos Estados. Ontem, foi feita no Ceará, onde em outubro houve uma tentativa de rebelião.

    "Existe um risco de retaliação. Onde houver condição, o PCC vai tentar isso. Em São Paulo, por causa da separação das facções, a situação está teoricamente tranquila".

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