13 pessoas contam como tiveram a saúde mental afetada pelo racismo

Os efeitos do racismo podem ser maiores do que somos capazes de enxergar.

Perguntamos aos membros do grupo do BuzzFeed Brasil no Facebook como o racismo afetou a saúde mental deles. Aqui estão algumas das respostas:

Aviso: este é um conteúdo sensível e pode ser um gatilho para pessoas que passaram por situações de racismo, pressão estética, assédio e bullying.

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1. “Estudar numa escola particular fez com que eu me sentisse invisível. Até hoje sinto dificuldade em me relacionar e me conectar com as pessoas por conta disso.”

“Crescer e passar pela fase da adolescência em uma escola particular fez com que eu me sentisse invisível, principalmente na fase em que todos começaram a namorar ou dar o primeiro beijo. Sempre fui uma menina tímida, mas isso fez com que eu gerasse uma insegurança absurda. Inicialmente, era uma insegurança em questões físicas, mas depois passou a afetar minha personalidade e até hoje tenho dificuldade em me conectar e me relacionar com as pessoas por questão de ‘segurança’.” – Anônima

2. “Eu comecei a chorar todos os dias antes de ir trabalhar porque a responsável pelo meu departamento me olhava com cara de nojo e vivia mandando eu dar um jeito no meu cabelo.” – Raphaella Melo

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3. “Por ser sempre seguido em lojas, eu me sinto culpado mesmo não tendo feito nada.”

“O fato de sempre ser (per)seguido por seguranças em lojas de shopping me fez até mudar a minha atitude na hora de andar na rua. Fico me policiando pra não ficar andando atrás de ninguém, pra não acharem que eu sou algum tipo de assaltante. Ando rápido, mudo de calçada... Me sinto culpado mesmo não tendo feito nada.” – Gabriel Silva Matos

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4. “O banheiro ainda é meu melhor amigo no trabalho, com frequência corro até ele para chorar e vomitar de ansiedade. Fiquei doente por causa do racismo.”

“No meu antigo emprego, minha chefe foi racista com uma pessoa que tinha um cargo inferior ao meu. Ela me chamou para conversar fora do ambiente de trabalho e questionou se eu achava que ela era racista. Eu disse que gostaria de pensar antes de responder. Ela me olhou incrédula, e perguntou novamente se eu a achava racista. E então perguntei se ela queria que eu respondesse o que eu penso ou o que ela queria ouvir. Ela virou a cara, voltou pro escritório sem falar nada e depois disso fez da minha vida no trabalho um inferno.

Ela passou a me criticar constantemente e a dizer para os outros coordenadores que eu não fazia nada e que deveriam me demitir. Eu trabalhava mesmo de casa, sem ninguém saber, para dar conta de tudo o que me pediam. Eu comecei a ir para o trabalho chorando e às vezes vomitava no caminho. Essa mulher destruiu toda a confiança profissional que eu tinha. Um tempo depois, fiquei desempregada por outros motivos e sofri muito, acreditava que não conseguiria um emprego por tudo o que tinha acontecido. Quando fui para outra empresa, percebi que sou muito boa no que faço e que, na verdade, o que vivi durante aquele período foi racismo.

Ainda me cobro muito e não tolero que eu possa errar. Vivo sempre com a sensação de que estou fazendo algo errado e que, em algum momento, meus chefes vão me dar uma bronca. O banheiro ainda é meu melhor amigo no trabalho e com frequência corro até ele para chorar e vomitar de ansiedade. Viver assim é horrível, fiquei doente psicologicamente e fisicamente por causa do racismo.” – Anônimo

5. “As rejeições são gatilho pra minha ansiedade até hoje, porque me levam automaticamente pra essa época da escola em que me zoavam por ser uma ‘negrinha do nariz largo’.”

“A minha adolescência foi muito complicada porque estudei até a oitava série em escola particular. Eu sempre era colocada na lista das meninas mais feias da sala. Fizeram uma comunidade contra mim no Orkut que tinha na descrição que um dos meus defeitos era ter nariz largo. Entravam no meu fotolog pra comentar que eu era uma ‘negrinha de nariz largo’ ou que eu andava empinando a bunda porque não era possível ela ser tão grande. Enfim, todas essas situações afetaram bem forte a minha autoestima. As rejeições são gatilho pra minha ansiedade até hoje porque uma rejeição me leva automaticamente pra essa época da escola.” – Anônima

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6. “Eu chorava só de pensar em dividir a mesma sala que um colega que que fazia ‘piadas’ racistas. Tentei contatos com a universidade pra contar sobre o que estava havendo e fui ignorado.”

“Um dos ápices da minha depressão e do desejo de morrer foi quando discuti com um cara que estudava comigo. Ele vinha fazendo ‘piadas’ racistas sobre um rapaz de outra sala. Obviamente, as piadas também me ofendiam. Tentei inúmeras vezes conversar, da forma mais didática possível, até que o desgaste foi maior do que eu poderia aguentar. Isso justamente num momento em que ele também já estava na defensiva porque ‘não aceitava ser considerado racista’. Houve, inclusive, ameaças de morte, mas no ponto que eu estava, estar vivo sequer era uma preocupação.

Me afastei dessa pessoa e, infelizmente, apaguei todas as conversas, ofensas e ameaças, mas foi um período que me marcou muito por ter sido um dos que mais me machucaram e desgastaram. Eu chorava só de pensar em dividir a mesma sala que ele, tentei contatos com a universidade pra contar sobre o que estava havendo e fui ignorado. Como era final do ano, dei a sorte de, pouco depois, ter tirado uma ‘folga’ de todo esse ambiente pra esfriar a cabeça.

Há algumas semanas, ele voltou a me procurar e contou sobre como mudou sua visão sobre isso e outras coisas que discutimos, olhando com uma maturidade que não tinha naquele momento. Após isso, tenho alguns pensamentos muito específicos que demonstram o quanto o racismo mexeu comigo nesse sentido, como quando passei meses atrás de uma terapeuta, porque não encontrava uma que fosse negra e tinha pavor só de pensar em dividir essas ansiedades com uma profissional branca e tê-la diminuindo essas dores ou vindo com algum papo de que ‘somos todos iguais’, que era algo que estava na minha cabeça.” – Guilherme Tintel

7. “Eu trabalho num coworking e é comum eu estar na pia lavando alguma louça minha e as pessoas deixarem a delas pra eu lavar, mesmo quando estou de de roupa social. Fico atormentada.”

“Eu estava no mercado essa semana, num desses Carrefour pequenos, esperando pra pagar, com celular na mão e um chocolate. Um cara ficou me chamando insistentemente, achando que eu era funcionária e ainda me xingou. Depois percebeu que eu não era funcionária e nem ao menos se desculpou. Isso tem me atormentado há dias. Fora que eu trabalho num coworking e é comum eu estar na pia lavando alguma louça minha e as pessoas deixarem a delas pra eu lavar, mesmo quando estou de de roupa social. Fico atormentada.” – Daniê De Oliveira

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8. “Não passei numa entrevista de emprego, depois descobri que a gestora disse que eu não tinha o perfil para a vaga e se referiu à minha cor. Demorei pra voltar a acreditar em mim.”

“Quando fiz uma entrevista de emprego em que eu achava que a vaga seria minha. Não consegui o emprego. Depois descobri que a gestora disse que eu não tinha perfil para a vaga e se referiu à cor da minha pele com um gesto. Tive medo depois de buscar outras vagas, duvidei da minha capacidade, demorou um tempo até eu voltar a acreditar em mim.” – Klark Dandara

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9. “A mãe de um coleguinha da escola disse que ele não poderia se misturar com pessoas como eu. Depois disso, passei muito tempo desejando ter a pele mais clara.”

“Eu tinha seis anos e estudava em uma escolinha particular, Na minha turma só tinha eu e mais um menino negro. Um certo dia, fizemos uma apresentação pra todos os pais e mães e, no final, eu super felizinha fui dar tchau pro meu amiguinho branco (loiro e de olhos claros). Ele, empolgado com o presente que tinha acabado de ganhar, quis me mostrar. Quando fui colocar a mão pra ‘ver com as mãos’, a mãe dele puxou ele pra perto dela e disse: ‘você não pode se misturar com esse tipo de pessoa, vamos embora’. Eu fiquei bem chateada e me escondi na escola. A segurança me procurou junto com a tia da perua, que me levou pra casa desolada. Depois, passei muito tempo pensando o motivo de ter a cor que tinha e que preferia ter a pele mais clara e olhos claros.” – Isabela Yukie

10. “Acho que o maior baque pra mim foi quando entendi que minha própria terapeuta estava sendo racista. O racismo nos afeta até no lugar que a gente busca pra tentar se curar de todo o desgaste que ele causa.”

“Não foi da noite para o dia que percebi que a minha terapeuta estava sendo racista, me questionei muito e continuei indo lá porque pensei que só podia ser coisa da minha cabeça. Mas ouvi conselhos, sugestões e até comparações que estavam me fazendo mais mal do que bem. Começou com ela falando que gente de cabelo liso como ela também sofria e daí foi ladeira abaixo, prefiro nem comentar. Foi só então que comecei a pesquisar sobre isso, sobre como não estava sozinha e como o racismo nos afeta até no lugar que a gente busca pra tentar se curar de todo o desgaste que ele causa.” – Jéssica Gomes

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11. “Após um comentário racista do meu chefe, fiquei tão nervosa que passei mal e vomitei ao ponto de ir parar no hospital.”

“Meu chefe fez um comentário super racista sobre a empregada doméstica dele. Ouvi calada, fiquei muito mal e chorei tanto, mas tanto, que minha cabeça doeu e comecei a vomitar sem parar. Resultado: tive que ir ao pronto socorro tomar remédio na veia. Não consigo conviver direito com meu chefe, mal olho nos olhos dele. Estou muito decepcionada porque é um cara ‘culto e esclarecido’. Quando era mais nova, não tinha dimensão do racismo. Só hoje, aos 30 anos, que olho pra trás e enxergo o racismo onde antes eu não via. Estou indo trabalhar empurrada, está me fazendo mal estar ali.” – Anônimo

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12. “No enterro do meu pai eu fui menos abraçada que meus irmãos, parecia que eu não sentia a dor como eles por ser adotada e negra.”

“Além de ser negra, sou adotada. Então convivo toda a minha vida com questões preconceituosas e que sempre me afetaram, principalmente por ser de uma família inteiramente branca e conviver com racismo dentro dessa mesma família. E sempre que falo disso, eu choro, fico bem abalada. Sofrer por causa de gente de fora é ruim demais, mas dentro da família é ainda pior. No enterro do meu pai eu fui menos abraçada que meus irmãos, parecia que eu não sentia a dor como eles por ser adotada e negra.” – Joyce Lycurgo

13. “Na minha cabeça era inconcebível que um cara poderia se sentir atraído por mim. Eu tinha medo de ser alvo de alguma brincadeira de caras babacas que faziam apostas pra contar quem ‘pegava’ mais meninas que eles consideravam fora do padrão.”

“Nunca me senti uma menina minimamente desejada e isso ainda é muito presente na minha vida. Nunca alguém se declarou pra mim, ou me enviou uma carta, um bilhete. Ainda no ensino fundamental, quando eu tinha 10 anos, meninos que me consideravam ‘normal’, ‘nem feia e nem bonita’, eram zoados. E isso foi se perpetuando. Eu via as minhas amigas brancas construindo seus relacionamentos na adolescência, algo bem sutil como conversar com um menino, ir ao cinema, tomar um sorvete, e ninguém se interessava por mim. Eu chorava muito, quase todo dia, porque me sentia feia e até dizia pra mim mesma que eu era horrível, que alguém nunca ia gostar de mim.

Na faculdade, a experiência de chorar por causa da minha aparência voltou. Eu percebia que naquele ambiente eu era mais interessante, mas não tinha segurança. Na minha cabeça era inconcebível que um cara poderia se sentir atraído por mim. Eu tinha medo de ser alvo de alguma brincadeira de caras babacas que faziam apostas pra contar quem ‘pegava’ mais meninas que eles consideravam fora do padrão. Eu tinha receio de ouvir fulano dizer que ‘gostava de mulheres negras’ de uma maneira hipersexualizada, como já aconteceu.

Torço para que isso não seja algo que definirá a minha felicidade, mas já é. Às vezes fico esperando esse cara que nunca vem e que acho que nunca vai chegar – e ao mesmo tempo não quero depender disso. Sinto que não tenho o direito de amar no sentido ‘romântico’, de casal, e não tenho o direito de ser amada. Hoje tento reduzir os danos disso e tento carregar o fardo, mas não existe um dia que eu não pense que nunca terei uma relação amorosa e que eu preciso aprender e me preparar pra isso – e tento o máximo que posso todo dia –, mas o meu máximo ainda é muito pouco pra que eu me sinta bem.” – Anônimo

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Algumas respostas foram editadas por motivos de clareza e/ou tamanho.

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