Como assistir "Cara Gente Branca" me ajudou a pedir ajuda

Com Sam e Reggie me senti autorizada falar sobre como o racismo e o machismo me deixaram doente.

Eu comecei a assistir a segunda temporada de "Cara Gente Branca" num dos piores finais de semana da minha vida. Terminei o primeiro episódio sentindo que, pela primeira vez, alguém entendia o que eu estava passando. Chorei junto com a Sam e consegui levantar do sofá.

Divulgação / Netflix

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Já na primeira temporada, me identifiquei com ela justamente por não ser perfeita, motivo que fez muita gente criticá-la. Com a Sam revivi muita coisa que passei durante a faculdade e que me marcou até hoje. Por questionar meus colegas e a própria instituição em que estudava, aprendi a conviver com o ódio das outras pessoas e com a solidão. Assim como a Sam, tive a minha vida sexual exposta e perfis fakes me mandando mensagens de ódio.


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Meu namorado sempre diz que isso é reflexo de eu estar sempre à frente do meu tempo, já que não me calo quando vejo alguma injustiça e participo da transformação dos espaços em que estou. Mas que tempo é esse em que um grupo de alunos negros é responsabilizado indiretamente pelo surgimento de manifestações racistas na universidade? Sam foi questionada pelo próprio ex-namorado se o fato dela responder ao fake que a atacava não fez com que o perfil ganhasse ainda mais seguidores e relevância. Da mesma forma, já tive que ouvir que a abordagem "violenta" do coletivo negro que ajudei a fundar incentivou a pichação de frases racistas nos banheiros da faculdade.


Que tempo é esse que preciso estar sempre lutando para que o mundo aceite a mim como sou? Por que preciso sempre provar que não sou os estereótipos racistas que as pessoas têm sobre mim? Eu não gostaria de estar à frente do tempo, queria mesmo é que esse fosse o meu tempo.

Faz um tempo que me questiono qual o sentido de continuar vivendo. A cada notícia de racismo que surge, sinto que morro mais um pouquinho. Como se manter alegre com o racismo batendo todo dia na sua porta? Não é fácil falar sobre isso. Reconhecer que o racismo e o machismo me deixaram doente é como entregar um troféu a todos aqueles que um dia tentaram me atingir e me calar.


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Divulgação / Netflix

Por meses carreguei a mesma culpa do Reggie, a de ser fraca. Toda vez que fico triste, ainda sinto muita raiva por ver toda a minha força escorrendo pelo ralo junto com as minhas lágrimas. Reggie teve uma arma apontada para a sua cara por um policial porque, até que se prove o contrário, o negro sempre é vilão. E isso me deixa muito brava.

Sinto raiva de um dia ter sido perseguida no trabalho por me posicionar quando minha ex-chefe foi acusada de racismo por outra mulher negra. Sinto raiva por outras pessoas, brancas, terem percebido isso e se calado mesmo assim. Sinto raiva de como essa mesma ex-chefe fez com que toda a minha segurança fosse embora e de todas as vezes que vomitei no caminho de casa até o trabalho. Sinto raiva por ter sido acusada de roubo injustamente mais de uma vez. Sinto raiva ao ver que os problemas das pessoas que me rodeiam são bem diferente dos meus.

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Reprodução / Netflix

E assim como o Reggie, quanto mais raiva sentia, mais eu me fechava. E assim como a Sam, quanto mais tristeza eu sentia, mais eu me afastava das pessoas que amo.

Mas também com os dois, Sam e Reggie, me senti autorizada a sentir tudo isso e falar sobre. Para que os dois se abrissem, foi preciso que outras pessoas próximas também os autorizassem a sentir tudo o que precisavam sentir. Por mais questionável que seja a postura do reitor, a forma com que ele abriu os braços e o coração para Reggie foi fundamental. Justamente porque para nós, negros, falar sobre a nossa saúde mental ainda é um tabu.

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E se você reparar bem, todos os personagens de "Cara Gente Branca" estão enfrentando alguma batalha pessoal por causa do racismo.

Coco enfrentou o racismo e a pobreza na infância e, para manter uma imagem e postura de mulher empoderada e segura, precisa passar por cima de muita coisa.

Kelsey pode ser vista como fútil e alegre demais, mas ela mesma disse que ninguém seria capaz de entender como é ser uma mulher negra de Trindade e Tobago e lésbica.

Joelle é incrível, mas sente que está sempre em segundo plano, justamente porque o racismo a atinge de maneira muito mais cruel por ter a pele escura.

E Troy precisou ir do céu ao inferno para não se cobrar tanto e dar vazão à sua própria identidade, pois um dos efeitos do racismo é fazer com que a gente sempre se cobre duas vezes mais.

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E foi assim que olhei para todos os meus amigos negros e vi que eles também estão pedindo ajuda de alguma forma. Seja ela financeira ou emocional, mas todos nós, negros, precisamos de ajuda. Porque não importa se a nossa pele é clara ou escura, se temos um emprego ou não, se moramos no centro ou na periferia, o racismo não nos dá descanso.

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Divulgação / Netflix

Esse post também é um pedido de ajuda.

E se você está passando por algo parecido, não deixe de buscar também. Eu já tentei fazer análise e ela me ajudou até certo ponto. Porém, com o tempo percebi que precisava mesmo era de ajuda médica. Eu falo sobre muitas coisas, mas sobre a minha saúde mental ainda é muito difícil. Por isso me desafiei a explicar para algumas pessoas no trabalho o que eu estava passando. Isso melhorou consideravelmente a qualidade dos meus dias, já que passo a maior parte do tempo com esses meus colegas. Também passei a ser sincera sobre o motivo que me fazia desistir de algum programa com os amigos. Essa foi a forma de comunicá-los do que estava acontecendo e não me cobrarem ainda mais.

Não jogue para debaixo do tapete tudo o que você sente, encare e compartilhe. Não existe o jeito certo de buscar ajuda, afinal, cada um vai conseguir dar vazão a toda tristeza e raiva que o racismo nos gera de um modo diferente. E se você ainda não consegue transformar tudo o que sente em palavras, compartilhar esse texto com seus amigos pode ser uma forma de dizer que precisa de ajuda. Nossos passos vêm de longe, não precisamos desistir aqui.


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Qual personagem de “Cara Gente Branca” combina mais com a sua personalidade?



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