A longa viagem de Maia e Guida rumo à liberdade

    O BuzzFeed Brasil acompanha a marcha lenta de duas elefantes asiáticas e de sua comitiva através de 1.600 quilômetros pelo interior do país.

    A partir deste domingo (9), Maia e Guida, duas elefantes asiáticas que trabalharam por décadas em um circo, iniciam uma viagem de 1.600 quilômetros até o Santuário de Elefantes Brasil (SEB), localizado no município de Chapada dos Guimarães (MT), numa das regiões mais bonitas do Brasil.

    O BuzzFeed Brasil está acompanhando toda a jornada.

    É uma operação delicada: Guida pesa 3.100 kg e Maia pesa 3.600. Para efeito de comparação, um Fiat Uno sai da fábrica com 909 kg.

    Dois caminhões levarão as elefantes, que serão acondicionadas separadamente em caixas de transporte feitas especialmente para esse fim, de metal.

    As caixas possuem câmeras de vídeo, pelas quais a equipe irá monitorar o comportamento dos animais durante o trajeto. Só pessoas essenciais ao transporte e ao bem-estar dos animais poderão se aproximar dos contêineres.

    Na véspera da viagem, as caixas foram deixadas abertas para que elas pudessem se acostumar com elas.

    Os custos da viagem ainda não foram totalizados pelos organizadores. Só as caixas para transportar as elefantes custaram R$ 80 mil. Uma parte do dinheiro veio de doações através de uma plataforma digital de financiamento coletivo.

    Quem são as essas meninas?

    Maia, 44, e Guida, 42, foram confiscadas pelo Ministério Público da Bahia do Circo Internacional Portugal em 2010. Após ser assinado um termo de ajustamento de conduta (TAC), as elefantes passaram a viver em um sítio em Paraguaçu, no sul de Minas Gerais, de propriedade do advogado do circo, Giuliano Vettori.


    Aos 44 anos (aproximadamente), Maia pesa 3.600 kg e é "elétrica", como uma criança arteira.

    Segundo a promotora Sophia Mesquita David, responsável pelo caso, um inquérito aberto em 2013 concluiu que as elefantes não sofriam maus tratos no sítio. Elas estavam acorrentadas, mas os tratadores tinham o cuidado de sempre mudar a corrente de patas, para não criar feridas.

    Apesar de não haver maus tratos, a situação era inadequada. Faltava, por exemplo, pessoal especializado para lidar com os animais.

    A preocupação da Promotoria era dar a Guida e Maia uma solução definitiva que garantisse o bem-estar dos animais. Em maio deste ano, outro TAC foi assinado, acertando a transferência de Maia e Guida para o santuário no Mato Grosso.

    Até este domingo, as duas dividiam um cercado de 1.500 metros quadrados. Uma de suas pernas ficavam acorrentadas para que elas não escapassem (algo decidido depois que elas aprenderam a derrubar a cerca), e dois fios de alta tensão as separavam. Apenas suas trombas podiam se tocar.

    Do passado de Maia e Guida, sabe-se muito pouco, já que a ONG Santuário de Elefantes Brasil não recebeu nenhuma documentação com o histórico das duas. O que se sabe sobre elas vem de relatos de tratadores e ex-tratadores. Mesmo a idade das duas é aproximada.

    Maia e Guida teriam nascido em liberdade, sendo capturadas na Tailândia quando ainda eram filhotes. Apanharam muito, foram privadas de sono e comida para se tornarem "obedientes" aos adestradores.

    De acordo com Junia Machado, presidente do SEB, é comum que nesses casos os filhotes passem por um processo chamado de “phajaam”, ou “quebra de espírito”, em que os animais são confinados em um minúsculo cercado de madeira, onde apanham e são impedidos de se alimentar ou dormir.

    O objetivo é domá-los e torná-los obedientes às ordens de adestradores.

    Guida tem por volta de 42 anos, pesa 3.100 kg e é uma criatura mais tranquila, algo "doce", segundo um tratador

    No Brasil, elas teriam trabalhado por quatro décadas como atração de picadeiro. Além do Circo Internacional Portugal, elas teriam passado também pelo Circo Garcia, de acordo com o advogado Giuliano Vettori.

    Mesmo os problemas de saúde de cada uma delas não são totalmente conhecidos. Exames clínicos detalhados, que para serem feitos em segurança necessitam que exista uma barreira de proteção entre os elefantes e os veterinários, só poderão ser realizados no SEB.

    O que se sabe, no entanto, a partir de observações, é que Guida parece ter a saúde mais frágil da dupla. Suas unhas estão grandes, o que dificulta sua locomoção, e ela também parece ter problemas para mastigar alimentos. Todos esses problemas serão devidamente investigados assim que a elefante chegar ao santuário, disse Junia.

    Verter Rosa Júnior tratou de Maia e Guida por quatro anos no sítio de Paraguaçu. Ele diz que as duas são mansas, mas cada uma tem sua própria personalidade: enquanto Guida é mais tranquila, “um doce”, “Maia é uma criança arteira, elétrica”.

    Num dos pedaços mais bonitos cerrado brasileiro, elas terão um recomeço de vida com a liberdade que nunca tiveram.

    Com 1.100 hectares (cada hectare equivale a um campo de futebol), o santuário promete para o futuro das duas elefantes algo bem diferente.

    Naquele pedaço de cerrado, onde a luz dourada do Centro-Oeste bate em falésias de centenas de metros, fazendo rochas calcárias brilharem em tons que variam entre o vermelho vivo e o ocre, conforme o horário do dia, Guida e Maia recuperarão, após décadas de trabalho forçado, a liberdade que nunca conheceram.

    A nova morada das duas já foi no passado muito tempo utilizado para a criação de gado, ainda possui parte de sua mata nativa preservada, nascentes d'água, aclives e pastos.

    O SEB foi construído nos moldes do Elephant Sanctuary in Tennessee (TES), nos EUA, instituição criada em 1995. Scott Blais, cofundador do TES, é o responsável pelo plano de transporte de Guida e Maia e supervisão da empreitada.

    Blais diz que a personalidade das duas elefantes tende a mudar quando elas chegarem no santuário e se depararem com um ambiente maior e com mais estímulos.

    “Uma das coisas mais impressionantes é como os elefantes se transformam quando têm um espaço em que podem ser quem realmente são.”

    O santuário não fará a reprodução dos animais nem será aberto à visitação pública. Quando estiver em pleno funcionamento, segundo Junia, o local poderá abrigar mais de 50 elefantes, provenientes de circos ou zoológicos.

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