Por que a "lei da mordaça" de Trump sobre o aborto pode afetar mulheres no mundo todo

    Medida, criada em 1984 — e reinstituída nesta semana —, impede que organizações internacionais de saúde que recebam financiamento dos Estados Unidos orientem mulheres sobre aborto, até mesmo em outros países.

    O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, reinstituiu nesta semana a polêmica "lei da mordaça global" sobre o aborto — decisão que poderá aumentar o número de abortos de risco no mundo todo.

    A medida, criada durante o governo Ronald Reagan (1981-89), basicamente impede que organizações de fora dos Estados Unidos que recebam financiamento do país aconselhem mulheres sobre aborto.

    Republicanos conservadores celebraram a ação, mas Democratas e diversos especialistas em saúde pública temem as consequências.

    "É uma concessão puramente política às custas das mulheres mais vulneráveis do mundo", disse Aram Schvey, conselheiro da ONG Center for Reproductive Rights (Centro de Direitos de Reprodução).

    A partir de agora, organizações internacionais que recebem financiamento do governo americano para projetos de planejamento familiar não podem investir — mesmo usando fundos de outro doador — em serviços relacionados a aborto.

    A regra vale tanto para o procedimento em si como para aconselhamento médico, e deve ser respeitada mesmo em países em que o aborto é legal.

    O governo dos Estados Unidos nunca financiou abortos em outros países, em obediência a uma emenda à Constituição feita em 1973. A "lei da mordaça", por outro lado, é um decreto executivo que os presidentes podem reinstituir ou repelir conforme desejarem.

    Especialistas acreditam que a Política da Cidade do México, como também é conhecida a regra, levará a um aumento dos abortos e da mortalidade materna no mundo todo.

    A ONG MSI (Marie Stopes International) estima que haverá um acréscimo de 2,2 milhões de abortos mundialmente a cada ano — 2,1 milhões de risco.

    "A taxa de mortalidade, tanto da mortalidade materna devido ao maior número de gravidezes quanto daquelas buscando abortos de risco, deverá aumentar dramaticamente", disse Marjorie Newman-Williams, vice-presidente e diretora de operações internacionais da MSI.

    A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que abortos de risco causem 13% das mortes maternas mundialmente.

    Uma pesquisa feita há alguns anos mostra como o número de abortos deverá aumentar com a volta da "lei da mordaça" por Trump. Um estudo em 20 países feito pela Universidade Stanford, publicado pela OMS em 2011, descobriu que as taxas de aborto de fato subiram 40% na última vez em que a "lei da mordaça" esteve em vigor, sob o governo do presidente George W. Bush (2001-2009). Nos países mais afetados, o uso de anticoncepcionais diminuiu e as chances de uma mulher sofrer um aborto de risco ficaram duas vezes mais altas após a política entrar em vigor.

    A "lei da mordaça" vai e vem, dependendo do partido na Casa Branca: Ronald Reagan redigiu o decreto em 1984; Bill Clinton o reverteu quando tomou posse; George W. Bush o restaurou oito anos depois; e Barack Obama o revogou novamente.

    Serra Sippel, presidente do Centro de Saúde e Igualdade de Gênero (Change, na sigla em inglês), disse que o decreto poderá ser mais prejudicla agora do que nunca. "Essa é uma política pública de 1984. Ela já fracassou, é ultrapassada e muito aconteceu desde que foi instaurada pela primeira vez", disse ela.

    Desde o ano em que Reagan instituiu a regra, 40 países afrouxaram suas leis em relação a aborto, afirmou. "A ideia de que essa política vai voltar à ativa é inconcebível e ridícula", disse Sippel.

    Especialistas em saúde pública também afirmam que os sistemas de saúde pública globais mudaram muito durante a administração de Barack Obama, tornando o efeito dominó da "lei da mordaça" mais dramático hoje do que no passado.

    A "lei da mordaça" diz respeito diretamente a aborto, mas especialistas em saúde dizem que a política incapacitará o acesso de mulheres a métodos anticoncepcionais.

    A USAID, a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional, fornece aproximadamente metade do financiamento global para os métodos anticoncepcionais de mulheres, de acordo com a Change. Tais métodos, por sua vez, são ferramentas essenciais na prevenção ao HIV. O acesso a métodos anticoncepcionais depende de uma cadeia de fornecimento completa que, uma vez alterada, não será fácil de ser reparada.

    "Há toda uma infraestrutura — um lugar em que os anticoncepcionais são recebidos, outro no qual são mantidos, o meio como eles são entregues", disse Judy Kahrl, membro da diretoria da Pathfinder Internacional, organização de saúde reprodutiva sediada em Massachusetts. "Não demora para fechá-la, mas demora para refazê-la."

    "Clínicas de planejamento familiar são essenciais. Às vezes, elas são o primeiro ponto de entrada no sistema de saúde, quando se trata de prevenção e tratamento do HIV", disse Sippel, da Change. "As pessoas estão recebendo informação de acesso sobre o uso de preservativos para prevenir o HIV. É um lugar onde o diagnóstico do HIV pode ser feito."

    Organizações de planejamento familiar dizem que a lei tem um "efeito inibidor" que efetivamente silencia qualquer conversa sobre o aborto — e até sobre assuntos importantes relacionados à saúde que não têm nada a ver com o aborto.

    "Essas organizações não serão capazes de participar de discussões sobre saúde pública voltadas a reduzir a mortalidade materna e a morbidez materna associada com abortos de risco. É um resultado muito perverso", disse Schvey, da ONG Center for Reproductive Rights.

    Este post foi traduzido do inglês.

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