Cunha pretende ser novo Harry Potter com livro sobre bastidor do impeachment

    Ex-deputado e réu na Lava Jato esteve com editores em SP e prometeu contar com quem esteve reunido durante processo que derrubou Dilma. Livro tem potencial de best-seller e gera apreensão entre ex-aliados.

    O deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) tem mostrado a editores de São Paulo um arrazoado de quatro páginas digitadas, a proposta do livro sobre o impeachment da presidente Dilma Rousseff, baseado em sua memória e anotações. Ele nega a existência de gravações das reuniões com políticos.

    Além de gerar pavor entre antigos aliados no governo Temer e no Congresso que o abandonaram na votação de sua cassação, a ambição de Cunha é vender 300 mil cópias da obra, de acordo com editores que conversaram com ele nos últimos dias.

    Para efeito de comparação, a tiragem almejada por Cunha é próxima do recorde do último Harry Potter ("Harry Potter e as Relíquias da Morte", 2007, 400 mil exemplares). A continuação da série do mago deve chegar às livrarias em outubro e a tiragem não foi divulgada pela editora Rocco.

    O livro de não-ficção mais vendido este ano foi "Muito Mais que 5inco Minutos", da youtuber Kéfera Buchmann (95 mil exemplares vendidos, segundo a Publishnews).

    Entre sábado e a última segunda, Cunha esteve reunido com executivos de editoras em São Paulo. O BuzzFeed Brasil apurou que a negociação corre simultaneamente com a Geração Editorial, a Matrix Editora e a espanhola Planeta.

    A quarta frente é a americana Amazon (para uma versão digital), segundo a coluna "Painel" do jornal Folha de S.Paulo.

    O dono da Geração Editorial, Luiz Fernando Emediato, por exemplo, já esteve reunido com Cunha duas vezes, uma em Brasília e outra nesta segunda-feira, em São Paulo. Paulo Tadeu, dono da Matrix, confirmou o interesse e Cunha teve uma reunião na sede da Planeta, na região da avenida Paulista, na segunda.

    As quatro páginas do "projeto" de Cunha entregam pouco sobre nomes e conchavos, de acordo com quem as leu.

    Foi nas reuniões que Cunha contou que tem em mente um livro com duas partes: 1) uma análise da instabilidade política em torno de presidentes que não conseguiram concluir o mandato, como Fernando Collor e Dilma; 2) as conversas que manteve a portas fechadas com políticos de todos os partidos.

    Foi num desses encontros que Cunha disse que pretende fazer uma provocação, chamando o impeachment de Dilma de "golpe".

    De acordo com pessoas que participaram das conversas com Cunha, ele pretende dizer que Ministério Público, imprensa e políticos se uniram para derrubar Dilma da mesma maneira com que, segundo ele, houve um "golpe" para levar o então presidente Fernando Collor (1990-1992) ao impeachment.

    O presidente Temer e ministros estão no elenco da trama, mas os petistas e suas conversas para tentar barrar o processo terão bastante destaque.

    Quem entra no relato e quem é poupado.

    Cunha apresenta algumas condições: entregar os originais em 15 de novembro para a obra estar nas livrarias antes do Natal, um prazo considerado bastante apertado, segundo editores ouvidos pelo BuzzFeed Brasil.

    E pede um adiantamento de royalties da venda da obra muito acima do praticado atualmente no mercado brasileiro. Nenhuma das editoras envolvidas aceitou falar do valor negociação.

    Neste mercado, o autor recebe um adiantamento e depois royalties que variam geralmente entre 10% e 12% do preço de capa de cada livro vendido.

    Editoras consideram o livro de Cunha um potencial best-seller porque é capaz de gerar interesse "entre leitores que odeiam o Eduardo Cunha ou que gostam dele", nas palavras de um dos negociadores.

    Por ser Cunha quem é, réu sob acusação de embolsar propina de corrupção em negócios da Petrobras e um personagem central da política brasileira durante o aprofundamento da crise, é dado como certo que o livro terá forte repercussão na imprensa e no mundo político.

    O impacto da obra, contudo, é diretamente proporcional ao quanto Cunha será capaz de entregar de novidade, o que tem deixado alguns editores com um pé atrás.

    Falando ao BuzzFeed Brasil sob a condição de não ser identificado, um dos editores que se reuniu com Cunha disse que uma das preocupações é com a integridade do relato.

    O temor não é sobre quem vai aparecer nas reuniões narradas no livro mas sim, com quem pode ficar de fora, sendo poupado pelo autor.

    Após cassação, deputado perdeu o foro privilegiado.

    Desde que foi cassado, Cunha perdeu a prerrogativa de foro no Supremo Tribunal Federal, onde correm duas ações penais.

    Ele já foi citado por delatores já condenados no esquema de corrupção da Petrobras, como os lobistas Fernando Soares, o Fernando Baiano, e Júlio Camargo, como destinatário de uma propina de R$ 5 milhões.

    Em pelo menos um caso, o que envolve o recebimento de US$ 1,3 milhão em contas secretas na Suíça de um lobista que atuou na venda de uma área de exploração para a Petrobras na África ocidental, Cunha pode acabar às voltas com Sergio Moro, em Curitiba.

    A mulher do deputado, Cláudia Cordeiro Cruz, já é ré em uma ação que corre na capital paranaense.

    Um fator especulativo da negociação envolve o futuro do autor, considerando possibilidade de prisão ou de adesão a uma delação premiada (que envolve acordo de confidencialidade).

    Um dos riscos que as editoras têm de lidar é pagar algumas centenas de milhares de reais por uma obra em que a história do impeachment apareça pela metade. Ou nem isso.

    O peemedebista sempre negou que tenha a intenção de se tornar delator sob o argumento de que não cometeu crime.

    O BuzzFeed Brasil procurou o ex-deputado Eduardo Cunha desde terça, mas ele não não quis se manifestar.

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