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Alcirene ganhou o direito de receber seu remédio na semana passada. Mas ela morreu em 2017

A decisão do STF encerrou disputa judicial iniciada em 2009. Alcirene de Oliveira morreu em 2017, mas sua vitória abre uma esperança para que outros pacientes não passem pelo que ela passou.

Vítima de uma doença crônica que lhe custou os dois rins, Alcirene de Oliveira obteve uma importante vitória na semana passada, quando o Supremo Tribunal Federal determinou que o poder público deveria fornecer a ela um medicamento fabricado no Canadá, encerrando uma disputa judicial iniciada em 2009. A vitória veio tarde: Alcirene morreu em 2017.

A dona de casa manteve-se viva graças a sessões constantes de hemodiálise. E sua luta judicial era para obter o medicamento Mimpara, usado para tratar hiperparatiroidismo secundário em pacientes com doença renal em estágio final. Atualmente registrado pela Anvisa, cada caixa com 30 comprimidos de 30 mg custa R$ 780.

A decisão final do STF determina que União, Estados e municípios não podem mais fazer um jogo de empurra nas questões de saúde. Segundo a corte, as três esferas da administração pública são solidárias na responsabilidade pelo tratamento de saúde dos cidadãos.

Na prática, isso significa que o juiz pode determinar à prefeitura ou ao governo do Estado para comprar o remédio e, depois, quem pagou pelo tratamento pode pedir ressarcimento ao Ministério da Saúde.

Alcirene se tornou uma espécie de símbolo da luta dos cidadãos contra a morosidade do poder público nestes casos. Mesmo com os problemas de saúde, ela fundou uma associação de doentes renais em Juiz de Fora (MG). Foi nessa condição que deu uma entrevista ao programa "Fantástico", da TV Globo, em 2016, enquanto ainda esperava pela decisão que lhe garantiria acesso aos remédios.

"A vida é uma luta. A gente tem de estar sempre lutando e sempre com esperança. E o que a gente faz é esperar", disse ela, na ocasião.

O mesmo processo de Alcirene também tinha como parte Maria Augusta da Cruz Santos, paciente hipertensão arterial pulmonar e precisava de uma medicação considerada de custo médio pela Defensoria Pública da União em Sergipe. Maria Augusta morreu em 2010, meses depois de ter ingressado na Justiça.

"Era preciso pacificar em todos esses casos para aumentar a celeridade das decisões judiciais sobre saúde. É preciso que se dê uma resposta a essa demora do estado em fornecer o medicamento", afirmou ao BuzzFeed News o defensor público da União Gustavo Almeida, que trata dessas questões em Brasília, junto ao STF.

Alcirene e Maria Augusta não viveram para ver a vitória no Supremo, mas a decisão de seus recursos vai ajudar outros pacientes que precisam de decisões rápidas em todo o país.

No caso de Maria Augusta, por exemplo, o defensor público da União Lafaiete Franco conta que a decisão liminar do juizado de primeira instância de Aracaju saiu em 12 dias para que o remédio fosse fornecido, mas a União apelou, afirmando que não se tratava de sua responsabilidade.

Lafaiete diz que o Tracler, que só foi incluído na lista de medicamentos fornecidos pelo SUS depois do início do processo, é considerada de custo médio. "Custava R$ 4 mil a caixa de 60 comprimidos. No início de 2010, ela passou a receber a medicação, mas houve um agravamento do quadro dela e Maria Augusta faleceu em maio de 2010", contou Franco.

O defensor afirma que 90% dos casos que chegam até a Defensoria Pública da União são de medicações mais baratas, com preços de até R$ 20, e de procedimentos médicos. Tanto ele como o defensor Augusto Almeida afirmam que o tempo da Justiça é diferente do tempo da saúde e, mesmo quando as decisões são proferidas com celeridade, a Defensoria encontra dificuldade para fazer com que os agentes públicos cumpram as decisões.

A demora que fez uma mulher perder a perna

Foi numa situação dessas que Josafá Lúcio, 68 anos, de Aracaju, perdeu a perna. Internada em março do ano passado, ela, que é diabética, precisava de uma angioplastia no dedão do pé esquerdo.

Passados dois meses, ela ainda não tinha sido operada. Procurou a Defensoria em maio do ano passado. Saiu rapidamente uma decisão (tutela antecipada), para que a cirurgia fosse realizada.

"Mas os entes [do poder público] não cumpriram. Foram cumprir apenas no começo de junho. Como ela ficou internada dois meses, já havia a necessidade de amputar o pé. E, quando cumpriram a decisão, teve a necessidade de amputar a perna inteira. Então foi isso: a dona Josafá entrou para operar um dedo do pé, que não era nem caso de amputação, e pela demora ela teve de amputar a perna inteira", afirmou Lafaiete Franco.

A angioplastia teria um custo médio de R$ 2.000. "A gente soube, extraoficialmente, que o hospital não podia fazer a cirurgia porque faltava linha de sutura", disse o defensor.

Em dezembro de 2016, o BuzzFeed News contou a história de Maria Lúcia Machado, que morreu depois de 37 dias aguardando uma vaga em UTI de São Paulo. Durante essa espera, a paciente, que era cardíaca, foi recusada 123 vezes por hospitais da rede pública, sempre por falta de vaga.


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