• newsbr badge

Como a universidade mais negra do Brasil está lidando com um caso gritante de racismo

"Ele se recusou a pegar o papel da minha mão porque ele tem por hábito não chegar perto de pessoas negras. Ele queria que eu colocasse o papel em cima da mesa", contou a professora ao BuzzFeed News.

A Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) é a universidade mais negra do Brasil. De seus 8.841 estudantes de graduação, 83,4% são autodeclarados pretos ou pardos. Entre os docentes, esse índice é de 48%. Mas nem assim a universidade, criada em 2006, ficou livre do racismo em suas salas de aula.

Um aluno branco se recusou, ontem (9), a pegar uma prova das mãos da professora por ela ser negra.

RACISTAS NÃO PASSARÃO! Estudante da UFRB, Danilo Araujo de Góis, se recusa a receber documento das mãos de uma professora da instituição por ela ser negra.

A professora é Isabel Cristina Ferreira dos Reis, cuja tese de doutorado trata das relações familiares dos negros escravizados na Bahia.

Historiadora e pesquisadora de História Social, Isabel dá aulas na graduação e no Mestrado do Centro de Artes, Humanidades e Letras (CAHL), do campus de Cachoeira, a 120 quilômetros de Salvador.

O aluno de Ciências Sociais identificado pela reitoria como Danilo Araújo de Góis foi expulso da sala de aula do curso de História do Brasil Império, sob gritos de "racista" de seus colegas. Esses estudantes fizeram queixas à reitoria afirmando que não foi a primeira vez que o estudante agiu com preconceito.

A universidade abriu um procedimento de investigação do caso, que pode resultar na expulsão do aluno. E a professora Isabel foi nesta terça-feira à polícia prestar queixa de racismo.

"Ele se recusou a pegar o papel da minha mão porque ele tem por hábito não chegar perto de pessoas negras. Ele queria que eu colocasse o papel em cima da mesa", contou a professora ao BuzzFeed News.

"Ele não mantém contato nem se dirige a negros. Ele não pega as coisas das mãos de quem é negro. Todos os colegas dele sabiam disso, mas eu não. Me causou espanto. É uma situação assustadora."

Isabel contou que o aluno já fez declarações racistas durante as aulas, afirmando, entre outras teorias, que o Brasil precisou de mão-de-obra de imigrantes porque os negros, segundo ele, eram preguiçosos.

A esse tipo de afirmação durante o curso, a professora tentou responder academicamente. "Com indicações de leitura, por exemplo. As pessoas me perguntam se ele é louco. Antes de tudo, ele é racista", disse ela.

Ao comentar que a UFRB é a universidade mais negra do país, a professora afirmou: "Eu não sei o que ele veio fazer aqui. Viver aqui deve ser uma tortura para ele. O que é assustador é que as pessoas estão ficando muito à vontade para externar o preconceito".

"A maioria do corpo discente é afrodescendente, mas o racismo é estrutural. Ele não é nenhum norueguês, mas você não tem que ser branco para ser racista. O fato de eu estar na universidade onde a maioria é afrodescendente não vai livrar ninguém do racismo", afirmou a professora.

Pela manhã de hoje (10), numa reunião com docentes, administradores e alunos, foram relatados outros episódios envolvendo o estudante, a maioria de racismo e homofobia.

"A instituição já criou uma comissão para apurar as denúncias encaminhadas por estudantes e professores do CAHL, que informam ter presenciado reiteradas manifestações de preconceito racial, de gênero e de homofobia por parte do estudante", diz nota divulgada pela reitoria da UFRB na tarde desta terça-feira.

A UFRB afirmou que tomará medidas "administrativas e jurídicas cabíveis ao caso", que foi divulgado na noite de ontem em vídeo pelas redes sociais. Com isso, o estudante pode ser expulso.

Os vídeos

"Eita, eita, eita. Estou tentando entender", diz a professora no vídeo, durante a conversa com o aluno. O que ele é diz é inaudível.

Em outro vídeo, a coordenadora do curso de História retira o aluno da sala, depois que a professora afirma querer que ele deixe o local. O aluno se levanta e sai sob críticas dos colegas.

Outros estudantes, da mesma turma, confirmam um histórico de atos racistas por parte de Danilo que foi convidado a se retirar.

"A UFRB considera fundamental ao processo formativo na graduação e na pós-graduação o respeito às diferenças para constituir um ambiente de convívio saudável, sem discriminação. Ao mesmo tempo, a instituição manifesta solidariedade à professora e estudantes ofendidos no espaço da Universidade e reafirma seu compromisso em não deixar impunes atitudes desta natureza", conclui o texto da reitoria.

O BuzzFeed News não localizou o estudante para ouvi-lo sobre o assunto.

A UFRB ganhou destaque nas redes sociais e na imprensa ao formar, em agosto, sua primeira turma de médicos, 12 deles autodeclarados negros ou pardos. Estatisticamente, o curso de medicina tem 76,7% de negros e pardos na UFRB. Para se ter uma ideia do significado desse número, é importante lembrar que apenas este ano o Brasil passou a ter uma maioria de estudantes negros nas universidades federais, numa proporção de 50,3%.


Utilizamos cookies, próprios e de terceiros, que o reconhecem e identificam como um usuário único, para garantir a melhor experiência de navegação, personalizar conteúdo e anúncios, e melhorar o desempenho do nosso site e serviços. Esses Cookies nos permitem coletar alguns dados pessoais sobre você, como sua ID exclusiva atribuída ao seu dispositivo, endereço de IP, tipo de dispositivo e navegador, conteúdos visualizados ou outras ações realizadas usando nossos serviços, país e idioma selecionados, entre outros. Para saber mais sobre nossa política de cookies, acesse link.

Caso não concorde com o uso cookies dessa forma, você deverá ajustar as configurações de seu navegador ou deixar de acessar o nosso site e serviços. Ao continuar com a navegação em nosso site, você aceita o uso de cookies.