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A Letícia ficou sem bolsa e teve que desistir da pesquisa de 2 anos sobre leishmaniose

"Não sou um caso isolado. E, com esses cortes, as chances de conseguir uma nova bolsa ficam ainda menores", disse a pesquisadora, que faz artesanato para complementar a renda.

Todos os anos, 700 mil pessoas contraem leishmaniose — uma doença transmitida por mosquito e que pode ser fatal. Em Uberlândia (MG), Letícia Masako Takahashi, 26, passava até 12 horas acompanhando reações químicas que apontassem para um tratamento eficaz e barato contra a doença, que ataca principalmente moradores de países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, como o Brasil.

Com sua orientadora de mestrado e doutorado, a também química Amanda Danuello Pivatto, Letícia dedicou os últimos dois anos a uma pesquisa de fármacos nos laboratórios da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) focada no tratamento da doença. Este ano, em março, começou o doutorado para aprofundar a pesquisa. Nesta segunda-feira (6), no entanto, o trabalho foi interrompido.

Letícia cancelou sua matrícula no doutorado porque não poderia contar com a bolsa de auxílio acadêmico. A bolsa da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) de R$ 1.500 mensais, que ela recebia no ano passado, havia permitido que ela se dedicasse integralmente ao mestrado.

Este ano, no entanto, ela não conseguiu a bolsa de R$ 2.200 mensais do doutorado. Seu relato emocionado sobre a desistência viralizou nas redes sociais.

"Foi uma das piores decisões que já tive de tomar na vida, disse ela ao BuzzFeed News, por telefone, nesta terça-feira (7).

"É um sentimento de vazio, de impotência. É uma tristeza muito grande abandonar uma pesquisa que tinha resultados tão promissores. O sentimento é de luto."

Formada por escola pública, Letícia fez um cursinho público para ingressar na universidade. Passou em primeiro lugar. Na faculdade, para pagar as contas, começou a fazer artesanato — atividade que mantém até agora, apesar de ser pesquisadora e professora.

No mestrado, tentou conciliar os estudos e a função de professora do ensino médio. Viu que a pesquisa exigia dedicação integral e conseguiu a bolsa. "A química orgânica sintética exige muito tempo de laboratório. Há reações químicas que precisam ficar até 18 horas em observação", disse.

Na primeira parte da pesquisa, durante o mestrado, Letícia fez o planejamento virtual de 69 moléculas para atuarem como possíveis fármacos contra a leishmaniose. No doutorado, a proposta era aprofundar o estudo até chegar a uma medicação que possa combater a doença, sem tantos danos colaterais, sobretudo nos casos mais graves, que atingem as vísceras (leishmaniose visceral).

"Espero que seja um 'até logo', que eu possa voltar. Mas daqui a um ano ou dois, vou continuar com os mesmos problemas [financeiros]. Não sou um caso isolado. E, com esses cortes, as chances de conseguir uma nova bolsa ficam ainda menores", disse.

Nos últimos dias, o governo Bolsonaro anunciou um corte de 30% no orçamento das universidades federais. Na Capes, agência fomentadora de pesquisa, o corte é de 19%. A educação básica também será atingida, com redução de 23%.

O ministro da Educação, Abraham Weintraub, falou hoje em audiência no Senado sobre os cortes, que ele chamou de "contingenciamento".

O ministro fala que não há corte de nos recursos 30% para as universidades, mas sim um "contingenciamento". Ele diz que, caso a reforma da previdência seja aprovada e a economia cresça, o contingenciamento será derrubado.

Letícia disse que a leishmaniose é uma doença negligenciada e que o interesse da indústria farmacêutica é bem pequeno. "É uma das doenças que mais matam no mundo e o Brasil é um dos países com mais mortes por leishmaniose. As indústrias farmacêuticas têm pouco ou nenhum interesse. Se a pesquisa de doenças negligenciadas não acontece na universidade pública, ela não acontece em lugar nenhum".

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