Hospital do interior de SP é obrigado a indenizar mulher denunciada por aborto clandestino
Ela foi presa em 2014, denunciada pelos médicos, e o hospital foi condenado por quebra de sigilo da paciente.
O Tribunal de Justiça de São Paulo condenou a Faculdade de Medicina de Marília (Famema) a pagar uma indenização de R$ 5 mil a uma mulher que, atendida na emergência do hospital da faculdade, foi denunciada à policia por aborto clandestino e acabou presa.
Os três desembargadores da 3ª Câmara de Direito Público do TJ foram unânimes em entender que, ao denunciar a paciente à polícia pelo suposto aborto, o hospital incorreu em quebra de sigilo médico. A decisão foi publicada ontem (19).
O caso aconteceu em 2014, quando uma jovem de 19 anos procurou o Hospital das Clínicas de Marília, da Famema, depois de passar mal. A jovem estava grávida de 38 semanas e, segundo seu advogado, Ricardo Hatori, ela descobrira a gravidez fazia poucos dias, uma vez que só notara mudanças no corpo naquele momento e continuava a menstruar regularmente.
A jovem comprou remédios abortivos pela internet, segundo seu defensor. Dois desses comprimidos foram localizados no aparelho reprodutor dela, quando atendida pelo hospital, de acordo com os médicos, que chamaram a polícia.
A mulher foi presa em flagrante dentro do HC e mantida encarcerada no quarto coletivo onde recebia atendimento médico. O quarto ficou com escolta policial até que a Vara Criminal de Marília decidiu pela soltura da paciente.
Segundo o advogado, o óbito do feto havia acontecido antes da tentativa de aborto. Por esse motivo, a Justiça arquivou a denúncia contra ela. "É um crime impossível. Matar o que já estava morto", disse o advogado ao BuzzFeed News nesta terça-feira (20).
Para o desembargador Mauricio Fiorito, o fato de ter havido ou não um aborto praticado de forma clandestina não interfere no entendimento de que houve uma quebra de sigilo entre médicos e paciente.

O desembargador se baseou no Código de Ética Médica, do Conselho Federal de Medicina. Os próprios médicos serviram de testemunhas do auto de prisão da mulher, segundo o acórdão do Tribunal de Justiça.

O valor da indenização, de R$ 5 mil, que será acrescido de juros e atualizações monetárias, foi considerado "irrisório" pelo advogado da ex-paciente do hospital. Ele afirmou que o valor não cobre os gastos que ela teve tanto para mover o pedido de indenização como para responder ao inquérito por suposto aborto ilegal.
Estudante de odontologia, ela acabou deixando a faculdade depois que o caso foi noticiado pela imprensa local, com a identificação de seu nome.
Mesmo criticando o valor da indenização, o advogado considerou que a vitória foi uma "decisão importante", demarcando a posição do TJ-SP sobre quebra de sigilo. Ele afirmou que ingressou com queixa no Conselho Federal de Medicina contra os médicos que chamaram a polícia, mas disse que os pedidos ainda não foram a julgamento.
Ainda cabem recursos aos tribunais superiores e o advogado afirmou que ainda não conversou com sua cliente para saber se ela buscará aumentar o valor da reparação. O hospital foi procurado pelo BuzzFeed News, mas ainda não se posicionou sobre o assunto.
