EXCLUSIVO: Como foi a conversa com Paulo Guedes que chocou senadores na véspera do reajuste do STF
"Prensa em mim ninguém dá", disse o presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), ao BuzzFeed News. Segundo ele, Bolsonaro não tem interlocutor no Congresso.

Ná véspera do Senado aprovar o reajuste da cúpula do Judiciário, o futuro superministro da Economia, Paulo Guedes, teve uma conversa em tom ríspido com o presidente do Congresso, Eunício Oliveira (MDB-CE), numa sala do Senado, na última terça (6).
O papo começou ameno, mas rapidamente evoluiu com uma carteirada do homem forte do governo Bolsonaro, conforme o relato do presidente do Senado. A conversa foi testemunhada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e pelo senador Fernando Bezerra (MDB-PE).
“Se o sr. acha que vai ser tumultuado ano que vem, imagina como vai ser esse ano. O que eu puder fazer para ajudar, estou pronto...", disse Eunício ao BuzzFeed News, narrando ter deixado a porta aberta para propostas de interesse do futuro governo, que só toma posse em janeiro, no Orçamento Geral da União.
"Ele olhou para mim e disse que orçamento não é importante, importante é aprovar Reforma da Previdência", contou o presidente da Casa.
Eunício conta ter lembrado que aprovação do Orçamento é pré-requisito para o recesso parlamentar, estabelecido pela Constituição. “Ele me disse: 'vocês não aprovam orçamento, orçamento eu não quero que aprove não'. Mas não é o senhor querer, a Constituição diz que só podemos sair em recesso após a aprovação."

Paulo Guedes
Pela reconstituição de Eunício, Guedes o teria cortado: "'Não, eu só quero Reforma da Previdência. Se vocês não fizerem vou culpar esse governo, vou culpar esse Congresso e o PT volta, e vocês vão ser responsáveis pela volta do PT."
O presidente do Senado relata ter lembrado ao futuro ministro que votação de Proposta de Emenda Constitucional só pode ser votada depois que o Executivo encerrar a intervenção federal no Rio.
Pelo relato de Eunício, Paulo Guedes teria insistido com a história do PT voltar se a Reforma da Previdência não passasse. Segundo ele, Paulo Guedes subiu a aposta na conversa:
“[Guedes me disse:] 'se vocês não aprovarem tudo aquilo que nós queremos esse ano, o PT volta. Se aprovar a reforma o Brasil vai crescer a 6%, se não aprovar o Brasil não vai crescer, eu vou culpar vocês'”, contou.
"Democracia é o melhor regime para se viver no mundo, mas ela é complicada mesmo, é difícil, ministro", respondeu o emedebista. Eunício não se reelegeu em outubro, mas até 31 de janeiro continua no comando do Senado, com o poder de determinar a pauta do que vai à votação no plenário.
"Então eu vi a Raquel Dodge lá na frente e saí para conversar com ela e ele seguiu conversando com o Fernando Bezerra (MDB-PE), que saiu de lá horrorizado", afirmou.
A conversa aconteceu numa sala do Senado, minutos antes das autoridades seguirem para a sessão solene de 30 anos da Constituição. A solenidade teve a as presenças dos chefes dos três Poderes e o presidente eleito, Jair Bolsonaro.
"Quero que [o Bolsonaro] acerte 150%, no que eu tenho prazo para contribuir vou contribuir, e não é com ele, é com o país e com a população que escolheu ele. Seja feita a vontade da população, pois é assim o mandamento democrático", disse o presidente do Senado.
Mas, segundo Eunício, o clima ruim tem de ser desfeito por quem vai assumir o governo: "Quero ajudar, mas não vou bater na porta de novo, toc, toc, toc, para dizer que aqui está o presidente do Poder Legislativo e perguntar o que quer que vote."
A "prensa" de Guedes
O mal-estar aumentou depois da solenidade, quando Guedes disse aos jornalistas que a população tinha de dar uma "prensa" no Senado para votar a Previdência.
"E ele foi lá para a porta (do Ministério da Fazenda) e disse que tem que dar uma prensa. Eu digo que aqui ninguém dá prensa. Aqui você convence, discute, ganha perde, agora prensa ninguém vai dar em mim", afirmou.

A sessão solene do dia 6.
Na leitura de Eunício e senadores próximos, ao falar em "prensa", o ministro que ainda nem tomou posse estava querendo atropelar o Poder Legislativo, que é independente.
"Enquanto eu for presidente ninguém diz aqui o que vamos fazer, quem diz aqui é o dedinho de cada um, que pode votar não, sim ou abstenção", disse.
Indagado se Paulo Guedes foi "arrogante", Eunício foi lacônico: "Tire suas deduções."
Em seguida, completou: "Eu não vou me pronunciar sobre vontade alheia, eu vou fazer a vontade da maioria do Congresso. Não tenho nenhum interesse de criar qualquer problema futuro para o presidente da República."
"Você acha que o Onyx é interlocutor com o Senado? Ele não é nem com a Câmara"
Na quarta-feira, dia seguinte, 41 dedinhos apertaram o botão de sim ao projeto que reajusta em 16% os salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal, incluído na pauta naquele mesmo dia pelo presidente do Senado. Só 16 senadores foram contra e um se absteve. Outros 12 senadores nem apareceram no plenário.
O efeito cascata sobre todo o funcionalismo deverá elevar o custo do reajuste para R$ 5 bilhões, debilitando ainda mais os caixas da União e dos Estados.

Bolsonaro ao lado de Dias Toffoli, presidente do STF: no dia seguinte a este encontro, Senado aprovou o reajuste à cúpula do Judiciário que deve custar R$ 5 bilhões por ano.
Bolsonaro e Paulo Guedes criticaram o impacto do aumento nas contas públicas em entrevistas, apoiadores esbravejaram em redes sociais, mas a desarticulação do futuro governo foi tão evidente que expoentes do bolsonarismo deram sua cota de contribuição para o reajuste.
"Vou só dizer o seguinte: não sei como eles estão fazendo, mas não aceito o Magno Malta (PR-ES) de manhã fazer discurso esculhambando a recomposição salarial dos magistrados, que troca o auxílio-moradia por salário, mas de tarde não vai votar. E mais oito que se dizem bolsonaristas não votaram, e eu sou culpado por isso?", disse o presidente do Senado.
"Honestamente, você acha que o Onyx Lorenzoni é interlocutor com o Senado? Ele não é interlocutor com a Câmara", estocou o senador do MDB.
"Esse povo que vem aí não é da política, é da rede social", completou.

Orleans e Bragança, o "bobinho"
Horas antes da votação do reajuste do STF, um tuíte do deputado eleito Luís Philippe de Orleans e Bragança (PSL), um dos herdeiros da antiga família imperial brasileira, ajudou a engrossar o caldo da balbúrdia.
Orleans e Bragança chamou Eunício de "pato manco", gíria do mundo político americano para político que não conseguiu se reeleger mas ainda continua no cargo, e acusou-o de criar pautas-bombas para prejudicar o próximo governo.
Pato manco é o político cujo sucessor já foi eleito, sem novo mandato mas com poder para agir livremente. Lula asilou o terrorista Battisti. Eunício cria pautas bomba para agradar aliados. Quem paga a conta? Nós. É contra isso que lutamos. https://t.co/UsHm26P0Vq
"Apareceu um bobinho aí, Orleans e Bragança, monarquista nesse Brasil, dizendo que sou pato manco. Pato manco é quando tem outro para botar no lugar. Eu não tenho ninguém eleito e posso até influenciar na eleição do próximo presidente [do Senado]. Até dia 31 de janeiro, quando termina meu mandato, não tem outro presidente eleito. Ele está ainda no Império, nós estamos numa democracia", disse o senador.
"O regime é democrático, pelo voto, e eu não quero fazer pauta bomba, mas não vou fazer pauta que ninguém me pediu, que ninguém solicitou", completou.
A outra bola nas costas
O aumento do STF com seu bilionário efeito cascata não foi a única bola nas costas que o presidente eleito tomou no Senado esta semana.
No dia seguinte, quinta (8), o Senado aprovou outra lapada no caixa da União: a chamada Agenda 2030, como ficou conhecido o projeto do novo regime automotivo do país. A renúncia fiscal em favor das montadoras – dinheiro que deixa de ser arrecadado com impostos – deve custar R$ 2 bilhões por ano.
A proposta passou pelo Senado em apenas 22 minutos e foi sancionada uma hora depois por Michel Temer. Novamente, Paulo Guedes reclamou da da medida aprovada pelos senadores.
Eunício recusa a pecha de patrocinador de pauta bomba e lembra que o novo regime automotivo tinha sido aprovado pela Câmara em regime de urgência.
"Chamaram de pauta bomba, mas a Câmara aprovou e pediu urgência para aprovar a questão do setor automotivo. E meu Estado nem tem fábrica. Nem procurado por eles eu fui. E aquilo reduz em 40% o incentivo [das montadoras] para frente", defendeu-se
Segundo ele, o percentual citado de 40% é uma estimativa da redução da renúncia fiscal que atualmente é concedida ao setor automobilístico.
"Ninguém vai me impedir ou me inibir de fazer a pauta, de dar sequência à pauta do Congresso, que é um Poder", declarou.
E comparou: "Tal como eu não digo o que o STF pauta ou o que o Executivo manda para o Congresso, ninguém vai me dizer o que eu pauto primeiro ou segundo."
OUTRO LADO
O BuzzFeed News entrou em contato com a assessoria de Paulo Guedes, que não retornou as mensagens enviadas até o fechamento deste texto.