Foi aberto hoje o chamado “ano Judiciário”. Na prática, é o dia em que as cortes superiores voltam de suas férias mais longas (coisa de 45 dias, pois o descanso de julho só dura um mês) e retomam o julgamento de processos.
Para além das diversas agendas privadas que unem políticos, procuradores e juízes, as investigações feitas nos últimos anos no Brasil têm tornado cada vez mais comum uma fotografia que mostra, sentados juntos na mesma mesa, 1) suspeitos de corrupção; 2) aqueles que devem pedir sua punição; e 3) aqueles que devem julgá-los.
Da esquerda para a direita: Raquel Dodge (Procuradoria-Geral da República), Eunício Oliveira (presidente do Senado), Cármen Lúcia (Supremo Tribunal Federal), Michel Temer (presidente da República), Rodrigo Maia (presidente da Câmara) e Cláudio Lamachia (OAB).
Sem discursos dos políticos, a abertura dos trabalhos do Judiciário conta, nos últimos anos, com a palavra da presidência do Supremo, da Procuradoria-Geral da República e da Ordem dos Advogados do Brasil.
Como em anos anteriores, há sempre palavras sobre a necessidade de maior efetividade da Justiça, punição a criminosos culpados, absolvição de inocentes, pedidos de respeito à magistratura (que hoje vê alguns de seus membros sendo verbalmente atacados em locais públicos) e defesa das prerrogativas dos advogados.
Sentada ao lado de Michel Temer (MDB), que é investigado pela Lava Jato, a presidente do STF, Cármen Lúcia, mesmo sem citar o ex-presidente Lula, mandou um recado ao petista e seu partido.
Disse que todos podem aceitar ou questionar decisões da Justiça e delas recorrer. Mas “é inadmissível e inaceitável […] desacatar a Justiça, agravá-la ou agredi-la”.
Sentada ao lado do presidente do Senado, o também investigado Eunício de Oliveira (MDB), a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, por sua vez, fez um duro discurso: falou da falta de efetividade da Justiça e da necessidade de se punir quem comete crimes, defendendo, inclusive, a prisão após condenações em segundo grau.
"É preciso garantir efetividade: as decisões judiciais devem ser cumpridas, os direitos restaurados, os danos reparados, os problemas resolvidos e os culpados precisam pagar por seus atos. Só assim afasta-se a sensação de impunidade e se restabelece a confiança nas instituições", disse Dodge.
Apesar da força retórica dos discursos, o sistema brasileiro ainda alonga processos em diversas instâncias da Justiça e chega a paralisar o Supremo Tribunal Federal em casos criminais devido ao foro privilegiado.
Numa gangorra jurisprudencial, e por mais que Cármen Lúcia diga que essa pauta não partirá de sua caneta, o STF deve alterar, em breve, o entendimento sobre prisões após a segunda instância.
Por outro lado, o Supremo ainda não encontrou meios para dar conta de seus processos criminais, seja para absolver inocentes seja para punir culpados.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, após um ano da "delação do fim do mundo", apelido dado à colaboração da Odebrecht, somente um detentor de foro foi denunciado e diversos processos que apontam para o arquivamento seguem ativos na corte.
Com isso, apesar de prisões e condenações pontuais no mundo da alta política, o país ainda deve se deparar, por alguns anos, como fotografias como a que hoje estampa o início do ano Judiciário.