O desembargador Abel Gomes, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, citou obra do constitucionalista Michel Temer na decisão que deflagrou a operação Cadeia Velha, que tem como alvo a cúpula do PMDB do Rio de Janeiro.
Os argumentos de Temer foram usados para justificar a competência da Justiça Federal fluminense para processar as acusações que pesam contra o presidente da Assembleia do Rio, Jorge Picciani, e contra os deputados Paulo Melo e Edson Albertassi.
No mesmo trecho da decisão ele ainda faz citação ao ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes, o que não deixa de ser uma ironia.
Em agosto, o magistrado concedeu dois habeas corpus ao empresário do setor de ônibus do Rio Jacob Barata Filho, preso novamente na operação de hoje junto do ex-presidente da Fetranspor Lélis Teixeira.
“Como bem destaca MICHEL TEMER, atual Presidente da República e constitucionalista, em sua vetusta obra: Elementos de Direito Constitucional: os Estados são competentes para decidirem legislativamente, executivamente e judicialmente sobre as matérias que a Constituição lhes atribuiu, dentre as quais não está que suas justiças processem e julguem crimes de competência federal”, escreveu o desembargador. “Ainda nas palavras de MICHEL TEMER, se a descentralização política, a participação da vontade das ordens jurídicas parciais na vontade da criadora da ordem jurídica nacional e a possibilidade de autoconstituição são notas essenciais à Federação, é igualmente essencial à sua manutenção a rigidez constitucional e a existência de um órgão constitucional incumbido do controle da constitucionalidade das leis”, completou.
OPERAÇÃO
Batizada de Cadeia Velha, numa alusão ao fato de que onde funciona a Assembleia do Estado já funcionou um presídio para quem infringisse leis da Coroa Portuguesa, a operação deflagrada nesta manhã investiga o repasse de propinas da Federação de Transportes do Rio e da Odebrecht para a cúpula do PMDB fluminense.
De acordo com as investigações, somente Picciani e Paulo Mello teriam embolsado R$ 112 milhões no esquema.
Em sua decisão, o desembargador ainda se mostrou surpreso com o fato de que, mesmo após a deflagração de várias etapas da Lava Jato no Rio, o grupo ainda manteve em funcionamento o esquema de repasses de propina.
"Por outro lado, apresenta-se extremamente grave, já agora incluindo as condutas dos investigados JOSÉ CARLOS LAVOURAS, JACOB BARATA FILHO e LÉLIS MARCOS TEIXEIRA, o fato de se ter encontrado pagamentos ainda creditados em datas posteriores à deflagração das primeiras apurações dos crimes praticados pela ORCRIM, como os acima indicados como ocorridos em 2017.”
PRISÃO DE PARLAMENTARES
Apesar de o Ministério Público ter pedido a prisão de Picciani, Paulo Mello e de Edson Albertassi, o desembargador entendeu que somente um órgão colegiado do TRF-2 poderia tomar tal decisão.
Por isso, ele pediu que o presidente da corte paute o mais brevemente possível uma sessão para tratar do tema.
Outro pedido que teve sua resposta postergada, foi o de bloqueio de bens dos envolvidos. No caso de Piccini, o pedido de bloqueio foi de R$ 154 milhões.
Devido aos valores envolvidos, o desembargar disse que resolveria sobre a situação em 72 horas.
LAVAGEM DE DINHEIRO
Na decisão ainda foi citado trecho da delação do empresário Marcelo Gonçalves Traça.
Segundo ele, as empresas de ônibus do Rio usavam o dinheiro da passagem para lavar dinheiro. Ele narrou que o presidente do conselho da Fetranspor, José Carlos Reis Lavouras, o procurou em meados de 2010 e disse que o grupo estava com dificuldade para conseguir dinheiro em espécie.
A Fetranspor é responsável, no Rio, por repassar às empresas de ônibus os valores das passagens pagas com vale-transporte. Para lavar dinheiro, de acordo com Traça, a entidade repassava um valor superior ao real, "valor adicional este que não correspondia à prestação de serviços e que deveria ser então devolvido pelas empresas creditadas, em espécie, com recursos próprios".
OUTRO LADO