Este é o motivo pelo qual as pessoas estão irritadas com Lana Del Rey

A publicação da artista no Instagram ignora as contribuições feitas por muitas mulheres não brancas ao tipo de música que Del Rey alega ter popularizado.

Lana Del Rey
Lana Del Rey

Valerie Macon / Getty Images


"Uma pergunta para a cultura" foi como a cantora Lana Del Rey começou sua publicação no Instagram nesta manhã, um sinal para mim — e para a internet de maneira geral — de que estávamos prestes a testemunhar um momento gloriosamente constrangedor do auge do comportamento da mulher branca.

Em sua publicação, que parece ser uma captura de tela de uma mensagem escrita em um documento do Word, Del Rey diz: "Agora que Doja Cat, Ariana, Camila, Cardi B, Kehlani e Nicki Minaj e Beyoncé chegaram à primeira posição com músicas que falam sobre ser sexy, não usar roupas, transar, trair etc., eu posso, por favor, voltar a cantar sobre gostar do meu corpo, sentir-me bonita por estar apaixonada, mesmo que em um relacionamento imperfeito, ou dançar por dinheiro — ou o que eu queira — sem ser crucificada ou acusada de glamourizar o abuso??????"

Ela continua afirmando que seus álbuns "realmente abriram caminho para outras mulheres pararem de 'colocar um sorriso no rosto' e simplesmente poderem dizer o que quiserem em suas músicas" e como ela é "apenas uma pessoa glamourosa que canta sobre a realidade do que todos nós estamos vendo agora, que são relacionamentos emocionalmente abusivos muito predominantes em todo o mundo".

Ela também parece especialmente irritada que sua "pequena análise lírica detalhando meu papel por vezes submisso ou passivo em meus relacionamentos com frequência fizeram as pessoas dizerem que eu fiz as mulheres retrocederem centenas de anos". A justificativa para esta mensagem é que ela vai lançar dois livros de poesia e um álbum neste outono.

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Existe todo um histórico de cantoras e compositoras que criam música — do tipo que Del Rey parece acreditar ter inventado — que são completamente apagadas por seu comunicado.

As reações à publicação de Del Rey foram rápidas e brutais. "Lana Del Rey apagou o trabalho de mulheres negras e disputou as Olimpíadas da opressão apenas para promover dois livros de poesia e um álbum. A audácia das pessoas brancas", disse Danielle Kwateng-Clark, diretora de cultura e entretenimento da Teen Vogue. "Não sei quem estava dificultando a vida de Lana Del Rey, mas tenho certeza de que não eram as mulheres negras", disse a escritora e palestrante Jamilah Lemieux. "Mulher, cante suas musiquinhas sobre cocaína e nos deixe em paz." Como disse Ashley Reese, escritora da Jezebel: "A ótica de Lana, uma mulher branca, reclamando sobre o feminismo não ter espaço para ela enquanto critica os elogios dirigidos a diversas artistas negras do pop é constrangedor."

Agora, antes que algum fã obcecado de Del Rey venha me atacar, deixe-me dizer apenas que eu adoro as músicas dela desde o fatídico dia em que me deparei com seu clipe de "Born to Die" em 2012. Eu sou muito fã de música apática, tá bom? Del Rey enfrentou críticas injustas de analistas por causa de seu conteúdo? Sim, porque ela é uma artista mulher em uma indústria dominada por homens. Mas seu comunicado é arrogante e anti-histórico. A ideia de que ela deu início a uma onda de artistas mulheres que cantam sobre sexo e relacionamentos fracassados é simplesmente absurda, já que houve muitas antes dela que cantaram sobre exatamente o mesmo assunto. E ela foi incapaz de reconhecer que a maioria das mulheres que ela mencionou, muitas das quais negras ou não brancas, enfrentaram diversos dos mesmos problemas que Del Rey — e muitas vezes em maior grau devido à raça. Existe todo um histórico de cantoras e compositoras que criam música — do tipo que Del Rey parece acreditar ter inventado — que são completamente apagadas por seu comunicado.

Para destacar o quanto o argumento de Del Rey é obviamente vazio, vamos começar com uma das artistas que ela menciona, Beyoncé. Embora seu álbum de 2016, Lemonade, seja considerado uma obra-prima no que diz respeito a assuntos íntimos e confessionais, como infidelidade conjugal, sexo e irmandade, Beyoncé canta músicas sobre esses temas há décadas, desde que fazia parte do Destiny's Child. Músicas como "Say My Name" e "Bills, Bills, Bills" falam sobre homens insignificantes e emocionalmente exploradores que foram escritas mais de uma década antes de Lana Del Rey entrar em cena. E, embora Beyoncé hoje seja elogiada por sua sexualidade desafiadora, ela também já foi criticada por isso repetidas vezes por pessoas tão díspares quanto Annie Lennox e Bill O'Reilly.

E há ainda Janet Jackson, cujo álbum de 1997, "The Velvet Rope", foi um álbum pessoal histórico. Ele traz canções sobre sexo ("Rope Burn" e "Tonight's the Night") e relacionamentos abusivos ("What About"). Essas músicas ousadas, adultas e confessionais foram lançadas quando Del Rey tinha aproximadamente 12 anos. Que tal isso para uma pioneira? A cantora Jessy Wilson resumiu bem o sentimento comum entre os negros em um comentário já apagado na publicação original de Del Rey: "mulheres negras cantam sobre sexo, abuso, submissão e agressão em relacionamentos e glamour há DÉCADAS. Aprenda história. Millie Jackson, Betty Wright, Betty Davis, Mary J. Blige....TANTAS. você nem chegou perto de ser a primeira a escrever e cantar sobre isso. essa publicação parece muito coisa de mulher branca privilegiada que está com raiva porque 'sente' que não teve a liberdade de ser ela mesma e de dizer o que quer. Ninguém está te impedindo. Então pare de bancar a donzela angustiada."

Embora eu tenha total consciência de que ela não pediu, se Del Rey quiser ver uma lista curta e incompleta dos trabalhos de mulheres que cantam sobre os temas que ela tanto cobiça, eu poderia sugerir o álbum de estreia de Lil' Kim, "Hard Core", "Peace Beyond Passion", de Meshell Ndegeocello, "The Miseducation of Lauryn Hill", de Lauren Hill, e "Reality Show", de Jazmine Sullivan, para mencionar apenas alguns?

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Del Rey conseguiu prosperar na indústria, o que é algo que, sem dúvida, não teria acontecido com uma artista mais marginalizada.

Outra coisa intrigante a respeito da carta de Del Rey é que ela escreve como se tivesse sido criticada de uma maneira que nenhuma outra artista mulher foi, o que simplesmente não é verdade. "É preciso haver um lugar no feminismo para mulheres que têm minha aparência e agem como eu — o tipo de mulher que diz não, mas os homens ouvem sim —, o tipo de mulher que é criticada de forma impiedosa por ser autêntica e delicada, o tipo de mulher que tem suas próprias histórias e vozes arrancadas por mulheres mais fortes ou por homens que odeiam mulheres", escreve Del Rey.

Mas é uma falácia dizer que ela foi de alguma forma mais difamada do que outras artistas mulheres. Infelizmente, essas críticas fazem parte do jogo da música mainstream há décadas (Britney, Christina e Mariah enfrentaram reações negativas quando deixaram para trás suas imagens puras e começaram a cantar sobre temas mais tabu). Apesar de ter passado anos recebendo críticas de boas a medianas — repito, eu acho a música dela ótima —, Del Rey conseguiu prosperar na indústria, o que é algo que, sem dúvida, não teria acontecido com uma artista mais marginalizada.

Por fim, embora ela pareça estar claramente abalada, sua crítica parece ser mais um caso de uma mulher branca reclamando de um problema válido sem reconhecer seu próprio privilégio na questão. Se você quer atacar os críticos, tudo bem, mas não — mesmo que de forma não intencional — diminua as realizações das artistas negras, nem de quem veio antes, só porque você está se sentindo menosprezada. ●

Este post foi traduzido do inglês.

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