Nenhuma família seria melhor para o meu filho do que o casal gay que o adotou

Entregar meu filho foi a coisa mais difícil que eu fiz na vida. Mas seus pais adotivos e eu criamos uma família única, aberta e cheia de amor. Não trocaria isso por nada neste mundo.

Violeta Noy para o BuzzFeed News

Duas semanas e meia depois de me descuidar e transar sem camisinha, fiz xixi num palito de plástico no banheiro do escritório, pouco antes da festa de aniversário de uma colega. Era sexta-feira, dia de pagamento, e finalmente tinha dinheiro para comprar um teste de gravidez. Achei que simplesmente faria o teste, veria o resultado negativo e acabaria com aquela paranoia. É claro que não foi o que aconteceu.

Quando vi as duas linhas paralelas, meio que não senti nada. Choque? Calma? Não sei. Mas decidi algumas coisas quase imediatamente: primeiro, daria à luz aquele bebê. Segundo, o colocaria para a adoção. Terceiro, a família do meu bebê seria gay. Eles não tinham necessariamente de ser gays; só achei que eles pudessem ter mais dificuldades para adotar, e eles são minha turma, então por que não mostrar um pouco de favoritismo?

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A nova família do meu filho não tinha necessariamente de ser gay; só achei que eles pudessem ter mais dificuldades para adotar, e eles são minha turma, então por que não mostrar um pouco de favoritismo?

Não era a primeira vez na minha vida que pensava naquilo tudo. Já tinha considerado a possibilidade de adoção depois de vários alarmes falsos, e agora a hora tinha chegado de verdade. Sabia o que queria fazer. Lembro de sair do banheiro, encontrar minha amiga e contar para ela sobre meus planos, tudo isso menos de cinco minutos depois de fazer o teste. Eu era uma produtora teatral quebrada, que não tinha condições de morar em um lugar sem dividir o aluguel e, apesar da possibilidade de fazer um aborto basicamente indolor, pois estava bem no começo da gravidez, não era o que queria para mim. Pode ter sido coisa da minha criação católica, daquela cena de "Namorados para Sempre" ou de algum outro fator misterioso – simplesmente não havia uma única parte de mim que quisesse abortar. A decisão se tomou praticamente sozinha.

No dia seguinte, fui a uma clínica da Planned Parenthood, organização americana sem fins lucrativos que oferece serviços de saúde reprodutiva, e fiz xixi num copinho para garantir que não tinha sido um falso positivo (spoiler: não!). Tive de passar por um detector de metais, deixar minha amiga Sarah numa sala de espera especial só para acompanhantes (ninguém poderia entrar comigo) e atravessar um lobby cheio de gente -- com meu copinho de xixi na mão. Uma assistente social loira que irradiava preocupação me recebeu num escritório minúsculo e perguntou o que eu queria fazer.

Quando disse que queria que o bebê fosse adotado por gays, ela me deu uma pasta colorida da agência de adoção parceira da Planned Parenthood. Lembro que a assistente social me olhava com um misto de afeto e preocupação, perguntando várias vezes se eu estava bem; respondi que estava, mesmo, e fui embora. Abracei Sarah no lobby, saí e fui comer uma salada. Tinha um feto para alimentar.

Sinceramente, não sei por que estava tão calma. Talvez minha terapeuta seja realmente muito boa; talvez eu tenha achado – corretamente, ao que parece – que seria uma aventura divertida. Mas as sensações que me dominavam eram empolgação e deleite, não estresse ou angústia.

Isso tudo mudaria depois, a propósito. Entregar meu filho foi a coisa mais dolorosa que fiz na vida. Mas toda aquela dor só seria sentida no dia em que disse adeus para ele.

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Pouco tempo depois, já tinha encontros quinzenais com Debbie, uma assistente social da agência de adoção. Debbie disse modestamente que aquela agência era conhecida como “a agência gay”. Pensei: Incrível. Encontrei minha turma.

Ao longo de seis meses, Debbie e eu nos conhecemos bem. Ela me explicou que eu não tinha obrigação nenhuma de me comprometer com a adoção só por causa dos nossos encontros e que o trabalho dela era me ajudar a tomar a melhor decisão para mim e para o meu filho. Ela foi fiel ao que disse; conversamos várias vezes sobre a possibilidade de eu ficar com o bebê. Como seria? De quem eu teria de pegar dinheiro emprestado? Com que parentes eu poderia ficar? E assim por diante. Mas, mesmo considerando profundamente minhas opções, ainda passava 98% do tempo certa de que escolheria a adoção – especialmente quando Debbie afirmou que a agência incentivava a adoção aberta, ou seja, que eu poderia manter contato com meu filho.

Fui extremamente transparente sobre minha gravidez e meus planos de adoção, incluindo um anúncio no Facebook no fim do terceiro trimestre. Eis o que ele dizia: “Então, tecnicamente ainda faltam dois dias para o fim do meu primeiro trimestre, mas vou anunciar agora: estou grávida, pessoal. A data é 27 de setembro. Neste momento, meu plano é colocar o bebê para adoção (espero que por um casal gay), e estou trabalhando com uma agência de adoção incrível, mas estou aberta para as surpresas que o universo – e meu coração – colocarem no meu caminho. Estou com 11 semanas e cinco dias, não tenho mais enjoo (fevereiro foi difícil) e completamente em êxtase. Então, se você está se perguntando se deve me dar os parabéns, pode parar de se preocupar. É totalmente OK!”.

O pessoal envolvido com teatro em Nova York é inacreditavelmente generoso. Nenhum dos meus amigos tentou me fazer mudar de ideia ou expressou qualquer coisa que não fosse apoio incondicional a mim e ao meu plano. Sempre que contava para algum amigo novo, via com gratidão como eles se esforçavam para não tirar conclusões apressadas. Mas, com os estranhos, era outra história: sempre tinha um cara que me abordava num bar e perguntava: “E aí, quem é o pai?”. Teve uma mulher que entrou no meu escritório para uma entrevista e me recomendou pediatras. Outra, sentada do meu lado no metrô, perguntou: “Você é casada?”. Uma segurança viu minha barriga e gritou: “VOCÊ VAI TER UM FILHO?” e me alugou durante 20 minutos falando do filho dela, me bombardeando com conselhos sobre a maternidade e me contando da “benção” dos primeiros filhos – eu estava lá só para entregar um pacote, nunca tinha visto aquela mulher na vida.

Essas pessoas partiam do princípio que eu era hétero, que o pai da criança fazia parte da minha vida e que eu planejava criar o bebê, não colocá-lo para adoção por um casal gay.
Todas essas suposições estavam erradas.

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Essas pessoas partiam do princípio que eu era hétero, que o pai da criança fazia parte da minha vida e que eu planejava criar o bebê. Todas essas suposições estavam erradas.

Perto do fim do segundo trimestre, Debbie e eu começamos a olhar “O Livro”: uma pasta laranja de plástico contendo as fichas das famílias que queriam adotar um bebê. Olhando as fotos dos casais, ela colocou uma página nova na minha frente: “Essa acabou de sair do forno!”. Lá estavam John e Peter, um casal multirracial. Um deles era cirurgião, o outro do teatro, como eu. E eles queriam uma adoção mais aberta que as outras famílias que eu estava analisando. Por acaso eles tinham deixado a ficha naquele dia; estávamos nos prédio na mesma hora. Era destino.

Quando nos conhecemos pessoalmente, algumas semanas depois, nos cumprimentamos com abraços e beijos, como se fôssemos amigos há muito tempo. Quando perguntei sobre a criação deles, o que gostariam de fazer igual e o que queriam evitar, John contou como sua mãe deu um duro danado para que seus filhos pudessem ter uma vida melhor. Quando eles me perguntaram o que eu queria para meu bebê, engasguei e disse alguma coisa sobre incentivar a criatividade do meu filho e deixar que ele fosse ele mesmo.

Foi amor à primeira vista. Eles eram engraçados, atenciosos e de ótimo coração. Deixaram claro desde o começo que estavam preparados para me receber em sua família de braços abertos e perguntaram se poderiam assistir à peça que eu estava produzindo. Escolhemos juntos o nome do nosso filho: Leo.

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Como estava colocando meu filho para adoção, desde que eu não pusesse a minha saúde ou a dele em perigo, podia fazer basicamente tudo durante a gravidez. (Imagino que também seja assim para as outras mães, mas elas em geral têm de fazer mais planos. Minha experiência, além de escolher a família adotiva, não envolvia muito planejamento.)

Então segui minha vida. Antes de ficar grávida, tinha planos de começar minha própria companhia de teatro e decidi que a gravidez não era motivo suficiente para abandoná-los; fizemos uma apresentação na sala de um apartamento no Brooklyn e outra num festival Fringe. Escrevi as duas peças.

Mais ou menos no quarto mês, eu e minha amiga Didi decidimos a ir a uma festa do beijo. (Se você mora em Nova York, uma busca rápida no Google vai te dizer tudo o que você precisa saber para dar uns amassos em gatinhos estranhos; de nada.) Me agarrei com gente de vários gêneros e formas e idades, incluindo um menino lindo num espartilho turquesa. Pablo, um cara rico usando calças da Virgem Maria, nos convidou para ir ao seu loft depois, usando “hidromassagem na cobertura” como isca; na época, não tinha me dado conta de que grávidas não devem entrar nessas banheiras, mas não fez diferença: estava frio demais. Acabamos numa orgia com quatro outras pessoas no “quarto macio” dele (a descrição é perfeita). Pablo fetichizou meu corpo de grávida, e achei aquilo meio esquisito, mas ele passou muito mais tempo com Didi que comigo. Pintos de borracha foram distribuídos e descartados, orgasmos foram alcançados, talentos orais foram revelados e depois eu e Didi fomos comer.

Nunca soube descrever direito meu relacionamento com Didi: uma conexão sexual (cujas raízes estavam numa conexão emocional profunda) que só concretizávamos com outras pessoas. Acho que você pode descrever como “gay”.

Porque, para mim, não se trata somente de ser L, G, B ou T. A questão é encontrar novos modelos de relacionamento, de gênero, de amor, de vida. Acho que a palavra é mais política que sexual. Ela se aplica à minha autoexpressão, às minhas amizades, à nova
família do meu filho. Como quando minhas amigas fizeram um chá de bebê surpresa
e me deram presentes para usar depois do nascimento do meu filho. Como quando
elas ficaram no hospital esperando a chegada de Leo ao mundo. E como quando a mesma
mulher que foi a festas do beijo comigo me abraçou enquanto eu soluçava e dizia
adeus ao meu filho.

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Para mim, não se trata somente de ser L, G, B ou T.
A questão é encontrar novos modelos de relacionamento, de gênero, de amor, de vida.

Conheço somente uma outra família que segue o mesmo modelo que o nosso (homens gays com filhos adotivos que têm contato frequente com a mãe biológica da criança). Ter pouco contato com famílias assim dá certa sensação de isolamento, mas também é muito libertador. Em qualquer outro tipo de relacionamento familiar, existem expectativas culturais e muitos exemplos de como esse relacionamento deveria operar – mas nós temos a vantagem de criar nossas próprias regras. Passamos juntos o Dia das Mães, o Dia da Independência americana e outros feriados. Estava ao lado de Leo quando ele assoprou as velinhas do primeiro aniversário. Peguei Leo na escola e o trouxe para o meu apartamento para ele brincar com meu gatinho e assistir desenhos animados. Minha irmã convidou os papais para o casamento dela e pediu que meu filho fosse umas das crianças que levaram o anel até o altar. Somos uma família amorosa, aberta e bastante peculiar.

Isso não quer dizer que as coisas sempre sejam fáceis. Dois dias depois do parto, eu e meu filho deixamos o hospital separados, e eu literalmente desabei de tristeza. Foi um baque repentino. Tinha passado o último dia no hospital admirando Leo, assinando papéis, recebendo visitas – e sentindo umas pontadas no coração. Quando Debbie disse que era a hora, expulsei todo mundo do quarto e segurei Leo perto do meu peito. Repeti várias vezes: “Não quero. Não quero”. Andei com ele até a janela e disse para ele que o mundo lá fora é grande e assustador, mas que sempre estaria por perto. Disse “te amo” várias e várias vezes.

A cabeça de Debbie apareceu na porta, com um sorriso gentil. Colocamos Leo na cadeirinha de bebê. “É muito difícil”, eu disse. “Eu sei”, respondeu ela.

Assim que ela foi embora, me dobrei no meio. Didi estava lá, junto com outra amiga, Emily. Elas me levaram até a cama para que eu pudesse chorar sem cair no chão. Chorava tanto que não conseguia falar. Mas, assim que consegui, disse: “Ainda acho que vou seguir em frente com o plano”.

Naquele momento eu já sabia que estava fazendo a coisa certa. Que essa família arco-íris vai ser a melhor opção possível para o meu filho e para mim. Nos quatro anos desde que a adoção foi finalizada, nunca duvidei de que tomei a decisão correta. Não importa o que
venha a acontecer no futuro.

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Este post foi traduzido do inglês.

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