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Ex-funcionários dizem que o talk show da Ellen DeGeneres esconde uma cultura de trabalho tóxica

“Aquela bobagem de ‘seja gentil’ só rola quando as câmeras estão gravando. É só aparência”, disse um ex-funcionário.

Ellen DeGeneres construiu sua multimilionária marca internacional com o lema “seja gentil”, distribuindo brindes luxuosos e praticando atos de caridade. Mas, nos bastidores, funcionários e ex-funcionários do seu programa diurno líder de audiência afirmaram que enfrentaram casos de racismo, medo e intimidação.

“Aquela bobagem de ‘seja gentil’ só rola quando as câmeras estão gravando. É só aparência”, disse um ex-funcionário ao BuzzFeed News. “Eu sei que eles dão dinheiro para as pessoas e as ajudam, mas é só showbusiness.”

O BuzzFeed News falou com um funcionário e dez ex-funcionários de The Ellen DeGeneres Show, e todos eles pediram para não serem identificados, temendo retaliações do premiado talk show diurno da rede NBC e de outras pessoas na indústria do entretenimento. Eles disseram que foram despedidos após licenças médicas ou licenças para comparecer a funerais de parentes. Uma funcionária, que alegou não aguentar mais os comentários sobre sua raça, basicamente abandonou o emprego. Outros disseram que foram instruídos por seus gerentes diretos a não falar com Ellen quando ela estivesse no escritório.

A maioria dos ex-funcionários culpou os produtores-executivos e outros gerentes de alto escalão pela toxicidade cotidiana, mas um ex-funcionário disse que, no fim das contas, é o nome da Ellen no programa e que “ela realmente deveria responsabilizar-se mais” pelo ambiente de trabalho.

“Se ela quer ter seu próprio programa e ter o seu nome no título dele, precisa estar mais envolvida para ver o que está acontecendo”, disse um ex-funcionário. “Eu acho que os produtores-executivos a cercam e dizem: ‘As coisas estão ótimas, todos estão felizes.’ E ela acredita nisso, mas seria responsabilidade dela verificar isso a fundo.”

Em uma declaração conjunta ao BuzzFeed News, os produtores-executivos Ed Glavin, Mary Connelly e Andy Lassner disseram que levam as histórias dos funcionários “muito a sério”.

“Ao longo de quase duas décadas, 3.000 episódios e empregando mais de 1.000 funcionários, tentamos criar um ambiente de trabalho aberto, seguro e inclusivo”, eles disseram. “Ficamos realmente arrasados, lamentamos muito saber que até mesmo uma única pessoa em nossa produção, que consideramos uma família, teve uma experiência negativa. Isso não representa quem somos e quem nos esforçamos para ser, muito menos a missão que Ellen estabeleceu para nós.

“Para deixar bem claro, a responsabilidade do dia a dia do programa da Ellen é inteiramente nossa. Levamos tudo isso muito a sério e percebemos, como muitas pessoas no mundo estão aprendendo, que precisamos agir de uma maneira melhor, estamos determinados a agir de uma maneira melhor e agiremos de uma maneira melhor.”

Uma mulher negra que trabalhava no “The Ellen DeGeneres Show” disse ao BuzzFeed News que teve de lidar com comentários racistas e “microagressões” durante o período de um ano e meio no qual trabalhou lá. A ex-funcionária contou que, quando foi contratada, uma produtora de alto escalão disse o seguinte a ela e a outra funcionária negra: “Oh, uau, vocês duas têm [tranças] box braids. Tomara que eu consiga distinguir vocês.” E também disse que, em uma festa do trabalho, um dos principais roteiristas do programa falou para ela: “Desculpe, eu só sei o nome das pessoas brancas que trabalham aqui.” E os seus colegas de trabalho apenas “riram constrangidos” em vez de defendê-la.

Quando a ex-funcionária abordou os problemas de raça e representação no programa e pediu para os produtores pararem de usar termos ofensivos, seus colegas a chamaram de “polícia do politicamente correto”.

Quando ela começou a reclamar da discriminação, disse, todos os seus colegas distanciaram-se dela.

“Sempre que eu levava um problema para o meu chefe, um homem branco, ele vinha com alguma história aleatória sobre algum amigo negro aleatório dele e como eles lidavam com as coisas”, afirmou. “Ele usava esse amigo negro como uma maneira de dizer: ‘Eu entendo a sua luta.’ Mas tudo isso era só um teatrinho.”

Quando já estava trabalhando há um ano no programa “Ellen”, ela disse que pediu um aumento após descobrir que um funcionário recém-contratado ganhava o dobro do seu salário, apesar de os dois exercerem a mesma função e ela trabalhar há uma década na TV. O gerente dela disse que “veria o que daria para fazer”, mas passaram meses e nada aconteceu, afirmou.

“Definitivamente eles não praticam o que pregam com o mantra ‘seja gentil’.”

A ex-funcionária também contou que foi chamada para uma reunião com o produtor-executivo Ed Glavin, onde foi repreendida por pedir um aumento e por sugerir que funcionários do programa deveriam receber treinamento sobe diversidade e inclusão.

“Ele disse que eu vivia parecendo ressentida e irritada”, afirmou.

Após a reunião, ela concluiu sua jornada de trabalho e nunca mais voltou para o “The Ellen DeGeneres Show”. E também disse que nunca mais pretende trabalhar na indústria do entretenimento. Durante anos ela sentiu “um medo de reclamar”, mas se sentiu encorajada a compartilhar suas experiências agora por causa do recente debate sobre raça em Hollywood e em outros ambientes de trabalho.

“Sinto que não estou só nisso”, ela disse. “Todos sentimos a mesma coisa. Nós sentimos isso, mas eu tinha muito medo de falar algo porque todo mundo sabe o que acontece quando você é uma pessoa negra e fala alguma coisa. Você é colocada na lista negra.”

A ex-funcionária também disse que o seu gerente no programa “Ellen” entrou em contato com ela recentemente, em meio às manifestações do movimento Black Lives Matter para pedir desculpas por não ter sido um aliado melhor. Mas a ex-funcionária disse que agora já era tarde demais.

“Sinto raiva pela maneira como fui tratada e sempre defenderei pessoas negras, indígenas, latinas e asiáticas, independentemente de se elas estiverem ou não por perto”, afirmou. “Não consigo ficar calada. Nunca pararei de falar.”

Há anos circulam rumores de que Ellen é uma pessoa difícil e que muitos funcionários estão infelizes. Em março o comediante Kevin T. Porter deu início a uma thread no Twitter pedindo às pessoas que compartilhassem “as histórias mais insanas que vocês já ouviram sobre Ellen [DeGeneres] sendo uma pessoa ruim.” O tuíte teve mais de 2.600 respostas.

Em abril, a revista Variety relatou que os funcionários estavam “angustiados e indignados” com produtores de alto escalão por não terem recebido nenhum comunicado a respeito dos seus empregos e salários no início da pandemia de coronavírus. O ex-segurança de Ellen também afirmou recentemente que teve uma experiência negativa com ela na edição de 2014 do Oscar, dizendo que a apresentadora de TV trata os outros de uma maneira “depreciativa”.

Um porta-voz da Warner Bros. Television, produtora que distribui o programa, disse à Variety que os funcionários estavam recebendo regularmente durante a pandemia, mas de acordo com a carga horária reduzida, e “reconheceu que a comunicação poderia ter sido melhor, mas citou complicações em razão do caos causado pela COVID-19”.

Um atual funcionário disse ao BuzzFeed News que, em 1º de maio, mesmo dia em que a matéria sobre o ex-segurança foi publicada, produtores executivos realizaram uma rara reunião com todos os funcionários via Zoom, para tratar das histórias negativas e do moral baixo.

“Acho que há uma cortina de fumaça no que diz respeito à marca do programa”, disse um ex-funcionário. “Eles emocionam as pessoas, eles sabem o que vai gerar curtidas e o que as pessoas querem, que é uma mensagem positiva. Mas isso nem sempre condiz com a realidade.”

Após trabalhar no “The Ellen DeGeneres Show” durante quase um ano, um ex-funcionário disse que utilizou uma licença médica para internar-se em uma instituição de saúde mental após uma tentativa de suicídio. Mas na semana em que voltou ao trabalho, foi informado da rescisão do seu contrato de trabalho.

“Se alguém tentou se matar, talvez o normal seria pensar que era melhor não adicionar mais estresse à vida dele”, disse o funcionário, cuja história foi corroborada ao BuzzFeed News por quatro outros funcionários e registros médicos.

“Alguns dos produtores falam abertamente em público sobre vício e a conscientização sobre saúde mental, mas eles são o motivo pelo qual há um estigma”, afirmou. “Definitivamente eles não praticam o que pregam com o mantra ‘seja gentil’.”

Outro ex-funcionário disse ter sido demitido após um ano inusitadamente complicado em que teve de afastar-se do trabalho em três ocasiões: licença médica de três semanas após um acidente de carro, trabalho remoto durante dois dias para comparecer ao funeral de um parente e três dias de folga para viajar para outro funeral de um parente. Todas as solicitações de licença eram uma batalha com os supervisores e o RH, acrescentou.

“Essa é a definição de um ambiente de trabalho tóxico, onde eles fazem você achar que está ficando maluco, até que você tem um estalo: não, tudo o que eu achava estava realmente acontecendo. Tudo causou isso”, disse o ex-colaborador, cuja história foi corroborada por cinco ex-funcionários e registros médicos.

Um terceiro ex-funcionário disse que levou uma advertência por criar uma campanha no site GoFundMe com o intuito de arrecadar dinheiro para despesas médicas que não eram cobertas pelo seguro de saúde da empresa. E compartilhar isso nas redes sociais.

Apenas 24 horas após postar sobre a campanha, ele disse que foi chamado ao escritório do chefe do departamento, onde foi informado que deveria tirá-la do ar porque aquilo poderia prejudicar a imagem de Ellen.

“Eles descobriram minha vaquinha e ficaram furiosos comigo. ... Em vez de me ajudar, eles estavam apenas preocupados com a marca da Ellen”, disse o ex-funcionário, cuja história foi corroborada por quatro outros funcionários.

Cerca de um mês depois, esse funcionário disse que foi demitido após postar uma selfie rindo com colegas de trabalho no escritório em um story pessoal no Instagram – uma violação contratual –, apesar de outras pessoas terem tirado fotos similares antes.

“Seja gentil com o mundo”, afirmou, “não com os seus funcionários.”

Segundo os funcionários, há uma divisão entre os funcionários que trabalham no programa: pessoas que aceitam tudo e geralmente são bem-vistas pelos produtores, e pessoas que reconhecem que o ambiente de trabalho é tóxico. Aqueles que batem de frente com os produtores de alto escalão geralmente não têm os seus contratos renovados, disseram ex-funcionários.

“Eles contratam pessoas que talvez não tenham experiência em como realmente é um ambiente de trabalho funcional e não tóxico ou alguém que quer tanto estar naquela atmosfera que aceitará quase tudo”, alegou um ex-funcionário. “Eles meio que se alimentam disso, tipo: ‘Este é o programa da Ellen, o ápice. Você nunca encontrará nada melhor do que isso.’”

Segundo ex-colaboradores, aqueles que possuem traços de personalidade “mais agradáveis”, que estão dispostos a trabalhar mais de 10 horas por dia sem reclamar e que ignoram o modo como gerentes e produtores de alto escalão tratam os outros ganham iPhones novos, cartões presente da JetBlue (uma companhia aérea dos EUA) e outros produtos que o programa recebe de seus patrocinadores.

“Eu lembro como era se sentir deprimido, horrível e infeliz, só pensando: ‘Eu quero sair, mas não posso sair’”, afirmou um ex-funcionário. “Todo mundo que não fazia parte do grupo de pessoas favorecidas estava infeliz.”

Alguns funcionários defenderam a cultura de trabalho do programa, afirmando que aquilo é normal em produções para a TV, mas outros ex-funcionários com experiência na indústria disseram que a cultura do “The Ellen DeGeneres Show” destacava-se como particularmente negativa.

“Todos temos uma sensação do tipo ‘isso não normal’ com relação ao modo como as pessoas são tratadas lá”, alegou uma ex-funcionária. “E há o grande número de demissões. Ou seu contrato não é renovado quando você desagrada alguém. Ou quando não demonstra que é extremamente grato por trabalhar lá.”

Os funcionários que falaram com o BuzzFeed News disseram que trabalhavam em uma cultura dominada pelo medo. Um deles disse que havia um sentimento geral entre os colaboradores de “se você tem um problema, nem pense em falar sobre isso com alguém”.

“Eu nunca me senti seguro para procurar o meu gerente quando estava com problemas – porque essa era a mesma pessoa que aguardava eu ir ao banheiro para me mandar mensagens, perguntando onde eu estava e o porquê de não estar na minha mesa”, disse um funcionário.

“As pessoas focam nos rumores sobre como a Ellen é ruim e coisas do tipo, mas esse não é o problema. O problema é que esses três produtores-executivos, responsáveis pelo programa e que mandam em todas aquelas pessoas [e] criam a cultura a ser adotada, são pessoas más e praticam bullying com os subordinados”, alegou outra ex-funcionária. “Eles acham que todo mundo que trabalha no “The Ellen Show” é uma pessoa de sorte por trabalhar lá – ‘Então, se você tem um problema, melhor deixar isso para lá. Ou vamos contratar outra pessoa, porque todo mundo quer trabalhar aqui.’”

E quando as pessoas saem – ou são demitidas –, os gerentes nunca falam com a equipe sobre o ocorrido, afirmaram os funcionários.

“Tínhamos reuniões semanais na sexta-feira de manhã, e às vezes as pessoas com quem você trabalhou desde sempre simplesmente não estavam lá”, disse um ex-funcionário, “tipo, elas desaparecem, e ninguém explica isso.” ●

Este post foi traduzido do inglês.

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