Perceber que sou bissexual me ajudou a aprender como ter o sexo que eu queria

Eu aprendi que a chave para um bom sexo não é encontrar a Pessoa Certa — é ser honesta sobre o que eu quero e o que eu não quero.

Eleni Kalorkoti for BuzzFeed News

Eu atingi a maturidade tardiamente em todos os sentidos da palavra. Quando eu passei a fazer o que a maioria das pessoas heterossexuais consideram sexo, eu tinha atingido a idade madura de 25 anos. Falar sobre isso me deixava desconfortável, e ao longo dos anos eu preparei minha resposta para a inevitável pergunta — por quê? — até chegar a uma resposta de três palavras quase garantida de eliminar qualquer outro questionamento: “Eu era religiosa.”

E, apesar de eu crescer com as referências de uma educação religiosa, essa explicação era uma mentira, uma saída fácil. A minha religião, o hinduísmo, sempre foi mais um portal para a cultura da minha família do que um conjunto de ideais em que eu realmente acreditava. Eu não tinha vergonha ou problema com a ideia de sexo antes do casamento.

Aos 29 anos, finalmente posso admitir que o que me impedia era o medo. Os discursos da minha mãe sobre ser devota não eram o que me impedia; em vez disso, eram as fofocas das tias sobre a filha de fulano que parou de sair na rua porque tinha apanhado do marido, ou que sumiu das reuniões comunitárias devido a uma gravidez na adolescência, ou morreu de "Deus sabe o quê". Cada uma dessas histórias terminava da mesma maneira: a mulher se machucou. E essa fofoca na cozinha gerava um bicho-papão no meu cérebro que sussurrava de forma insidiosa, uma vez após a outra: os homens vão te machucar.

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Eu ficava esperando o barulho do trovão depois de ver o raio cair. 

As maneiras como os homens podiam me machucar só pareciam crescer exponencialmente à medida que eu envelhecia. Antes de eu entender o que realmente era o estupro, isso já estava na minha cabeça como um destino, quase tão garantido quanto a morte. E as fofocas da cozinha, que antes giravam em torno de pessoas que eu não conhecia e provavelmente nunca conheceria, de repente se tornaram reais quando quem passou a se machucar eram minhas amigas, minhas primas, minhas tias; o suicídio de uma amiga da família depois de seu divórcio foi a medida que as mulheres da minha comunidade usaram para definir a dor. No meio de uma infância linda e feliz, eu ficava esperando o barulho do trovão depois de ver o raio cair. Será que eu também acabaria como uma personagem de fofoca de cozinha?

A única coisa que mitigou esse medo foi a doce paixão do primeiro amor. Ele era um garoto que jamais deixava de me fazer rir e gostava das mesmas músicas que eu, o que na adolescência já era o suficiente. Durante os passeios, inevitavelmente ficávamos cada vez mais perto até transformarmos um pequeno canto em um encontro privado. O drama dos três meses seguintes foi apropriadamente infantil para duas crianças de 13 anos desajeitadas, mas sempre serei grata por sua gentileza, que é a coisa que ainda mais valorizo nele depois de 18 anos de amizade.

Daquele ponto em diante, continuei procurando a mesma gentileza em cada potencial conexão romântica. Durante a faculdade e até a idade adulta, houve uma série de homens agradáveis, respeitosos e pouco marcantes. Eu levei vários deles para casa em um esforço para afastar o sentimento arrepiante de o que há de errado com você, você já deveria ter feito sexo, sua adulta virgem e esquisita. Mas, quando ficávamos nus, eu congelava. Não importava o quanto eu gostasse do meu parceiro ou como era bom ficar com ele; o pensamento de sexo penetrativo despertava o bicho-papão. Um pênis entrando na minha vagina parecia ser uma linha que não deveria ser cruzada, e eu não conseguia afastar o sentimento de que qualquer coisa terrível que me acontecesse depois disso seria merecida. As tias diriam que eu sabia dos riscos e que escolhi me abrir para me machucar. Então, depois de cada orgasmo (normalmente deles, raramente meu), criei o hábito de sair da cama, correr e vestir todas as minhas roupas e dar uma desculpa sobre uma reunião ou trabalho no fim de semana já a caminho da porta.

Dividida entre querer e temer, eu anulava a minha hesitação como se apenas não tivesse encontrado o cara certo ainda. Somente anos mais tarde me ocorreu que talvez eu estivesse lidando com as coisas ao contrário, e que a pessoa certa — a única que poderia me fazer me sentir segura o suficiente para liberar todo esse potencial sexual glorioso — era eu.

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Não me lembro por que o Marcus (cujo nome eu mudei, junto com outros ao longo da matéria) parecia o cara certo na época; tenho certeza de que a história que eu criei para mim foi convincente. Nós estávamos nos vendo há cerca de um mês e meio, período durante o qual eu encontrei uma série de desculpas para não passar a noite com ele. Marcus foi o primeiro cara que eu conheci através de um aplicativo de namoro que era realmente mais charmoso pessoalmente. Ele também era jornalista, e talvez fosse o pouco que eu tinha para explicar sobre a minha vida, que na época girava em torno de minha carreira, que fortaleceu meu impulso de pular fora. Eu assumi que esse nível de afinidade profissional também deve ser transferido para o pessoal.

Mas, pensando bem, havia apenas uma razão verdadeira pela qual eu queria fazer sexo com ele: eu tinha 25 anos, estava muito desconfortável, tanto com o fato de que eu não tinha transado "de verdade", quanto com o pensamento de fazer isso, e eu só queria acabar com essa história. Marcus me preparou uma refeição deliciosa, e depois de dividirmos uma garrafa de vinho tinto, fomos para o quarto dele e nos pegando como adolescentes. Trinta minutos depois, os lençóis dele estavam ensanguentados e eu estava tremendo no banheiro enquanto ele gentilmente me perguntava do lado de fora da porta se havia algo que ele pudesse fazer.

Tudo foi consensual; eu quis fazer sexo com ele. Mas, na verdade, eu nunca disse isso. Como uma dama de um romance vitoriano, eu fui implícita onde gostaria de ter sido direta; eu deixei a vergonha da minha inexperiência silenciar as perguntas que eu deveria ter parado para fazer. Nós não discutimos nada de antemão, ou durante. Eu simplesmente me convidei para jantar na casa dele e esperei que ele entendesse isso como uma permissão. Eu só queria que tudo corresse bem, e interromper um momento que estava delicioso por causa de mais lubrificante parecia um prato cheio para vergonha e dor. Afinal, eu tinha cruzado aquela linha invisível que eu tinha traçado para mim, e se algo de ruim acontecesse agora, bem, eu tinha pedido por isso. Não tinha?

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Eu tinha cruzado aquela linha invisível que eu tinha traçado para mim, e se algo de ruim acontecesse agora, bem, eu tinha pedido por isso. Não tinha?

Eu deveria ter parado para pedir. Um fato interessante sobre lubrificante à base de água: ele seca muito mais rápido do que alguém que está transando pela primeira vez poderia imaginar. Em seguida, vem o atrito, depois vem a ruptura e, em seguida, vem um momento horrível em que você percebe que a mancha molhada é muito escura para ser qualquer coisa, menos sangue. Eu me machucar foi um verdadeiro acidente, após o qual eu me consolei com o fato de que pelo menos estava certa sobre o Marcus. Ele cuidou de mim. Ele foi gentil.

Aos 29 anos, aprendi que o que aconteceu na primeira vez em que fui até o fim, por assim dizer, é uma experiência bastante comum. Mas na época, tudo que eu conseguia ouvir era o eu te avisei do bicho-papão reverberando em cada segundo de ansiedade da consulta com a minha ginecologista no dia seguinte. A experiência toda não chegou nem perto da pior coisa que poderia ter acontecido comigo durante a minha primeira vez, mas a dor foi aguda tanto no corpo quanto na mente. Eu vi o Marcus por talvez mais um mês depois disso, mas o pico instantâneo de medo que eu sentia toda vez que tentávamos transar interrompia qualquer possível avanço. Humilhada, era mais fácil apenas nos afastarmos pouco a pouco um do outro. Mas um mês depois disso, eu não conseguia nem sair sozinha.

Isso nunca tinha acontecido comigo antes. De volta ao consultório da minha ginecologista, fiquei pasma quando ela me disse que fisicamente eu estava bem, e o que quer que estivesse acontecendo, tinha mais a ver com a minha mente do que com o meu corpo. Eu não tinha ideia de como resolver isso. Nem ela.

Nos seis meses seguintes, tornei-me minha pior inimiga. Eu estudei a cronologia do que aconteceu para achar o que estava errado como se eu pudesse sair desse quebra-cabeça, como se a resposta chegasse simplesmente embalada, como acontece em episódios de "Law & Order". Eu me machuquei, assim como me disseram que aconteceria. E se eu não pudesse mais desfrutar de qualquer sentimento sexual, esse deveria ser o meu castigo. E então um dia, eu simplesmente desisti. Ignorar completamente o sexo parecia uma opção melhor do que o interminável ciclo de culpa e vergonha ao qual eu tinha me submetido. Se não era bom, pelo menos parecia tranquilizante. Mas ninguém pode esconder de si mesmo para sempre.

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Havia esta mulher no trabalho. Eu não percebi o que isso significava no começo, até que minha melhor amiga notou o quanto eu falava sobre ela. Havia sempre uma história de trabalho engraçada, ou uma conversa profunda sobre o estado político do país, ou uma nova matéria dela que era inevitável eu elogiar. Eu achava que eu só a admirava enquanto pessoa; como eu poderia não ter uma queda por sua beleza e talento? Mas minha amiga claramente não estava acreditando nisso, e depois de algumas semanas, eu realmente tive que concordar com ela.

Essa não foi a primeira mulher por quem eu me atraí, mas ela foi a primeira por quem eu me permiti considerar. Como seria levá-la para jantar? Passar as minhas mãos pelos cabelos dela? Beijá-la? O que parecia totalmente impossível no ensino médio no contexto de minha família, comunidade e religião estava agora liberado para mim como uma pessoa adulta que vivia a centenas de quilômetros dessas três coisas. Mas com o meu corpo ainda bloqueado, eu dei ouvidos àquela voz insidiosa dos meus pensamentos.

Você está mesmo a fim de mulheres ou elas só parecem ser mais seguras do que os homens?

Quem você pensa que é para tentar um romance com alguém enquanto a usa para descobrir como resolver seus problemas?

Você sabe que não havia nada errado com o Marcus, havia algo errado com você, né? Por que seria diferente com uma mulher?

Quando descobri que a mulher que abalou a minha sexualidade tinha um namorado, senti uma inconfundível onda de decepção. Não havia como negar essa paixão óbvia agora. Mas também havia uma sensação de alívio: finalmente eu tinha uma resposta sólida na qual me ater. Eu mudei o meu Tinder para a opção de mulheres no mesmo dia. Demorou menos de um segundo para isso me dar possibilidades de novo. Mas eu ainda não sabia se as merecia.

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Cerca de oito meses após a última vez que vi o Marcus, me vi tomando umas num bar com a Annie. Ela era a terceira mulher com quem eu saía, e a primeira com quem realmente senti uma faísca. Ela era dois anos mais velha do que eu e bem mais bem-sucedida, com um senso de humor que me lembrava o da minha primeira paixão. Ela me teve no primeiro beijo.

Nós voltamos para a casa dela, mas ela não me levou direto para o quarto. Nós dividimos um burbom entre beijos tímidos no sofá enquanto conversávamos. Ela me fez todas as perguntas que eu estava com medo de me perguntar há oito meses: até onde eu queria levar isso? Onde estavam meus limites? Se eu entendia que tudo que eu tinha que fazer era pedir para parar se eu quisesse parar? Cada resposta honesta era recompensada com um toque caloroso, e não demorou muito até que parássemos de falar completamente.

Mais tarde, me peguei sorrindo como uma idiota no espelho do banheiro da Annie. Eu não podia acreditar na recompensa que eu tinha recebido nas últimas oito horas. Eu definitivamente gostava de mulheres, e especificamente da Annie. Sexo não era apenas prazeroso, era foda demais. E todas as noções errôneas às quais eu me atinha sobre o que era considerado "sexo de verdade" foram completamente eliminadas.

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Não foi porque eu decidi fazer sexo que me machuquei; foi porque eu não fui honesta sobre o que eu queria.

Eu finalmente tinha a resposta que tanto queria para a questão do que deu errado com o Marcus. Não foi porque eu decidi fazer sexo que me machuquei; foi porque eu não fui honesta sobre o que eu queria. Perdida nas minhas próprias ansiedades, eu me esqueci de vocalizar meus desejos. E quando fui honesta com a Annie, isso levou a um sexo fenomenal. Realmente era simples assim.

Nos anos seguintes, descobri que realmente não há como ter uma boa transa com uma nova parceira se eu pular o passo de articular claramente o que quero e estabelecer os meus limites. Assim como meu corpo tentou me dizer, transar enquanto eu não fizesse do meu prazer uma prioridade não valeria nada. E se eu não me sentisse à vontade para pedir o que queria, era um sinal claro de que, por qualquer motivo, não me sentia segura o suficiente para fazer isso.

Então, agora, eu não deixo dúvidas. O medo que se formou na minha cabeça ao longo da vida provavelmente levará outra vida para se desfazer, mas armada com o conhecimento de que posso aliviar esse medo com algo tão simples quanto uma pergunta de sim ou não, eu me sinto como a adulta que sempre pensei que o sexo me faria ser.

Por causa desse equilíbrio, Annie e eu nos demos bem. O mesmo com a Kat e com a Gina. No momento em que o Rene — um gerente de marketing que eu tinha conhecido no meu bairro — começou a me mandar mensagens, cerca de seis meses depois, eu ainda estava perfeitamente ciente de quantas maneiras um homem pode arruinar uma mulher, mesmo as mais amáveis. Mas eu também confiava em mim mesma para discernir se estar com ele seria uma experiência terrível ou não. Eu agora tinha a linguagem e o entendimento, graças a Annie e às mulheres que vieram depois dela, para exercer o consentimento corretamente, em vez de deixá-lo tipo: "Bem, ele ainda não me machucou, então provavelmente vai ficar tudo bem".

Um primeiro encontro no Museu do Brooklyn se transformou em jantar, transformou-se em drinques mais tarde e, depois de ficar sem desculpas para continuar a passar o tempo juntos, perguntei ao Rene se ele queria ir para casa comigo. O sorriso dele era suficiente como resposta, mas eu opero com certezas agora. Antes mesmo de pedirmos a conta, esclarecemos o histórico de testes, limites e consentimos com a promessa de uma conversa mais longa em particular, se necessário. Os nervos que se exaltaram quando eu o puxei pela porta da frente não podiam ser ignorados, mas, assim como com a Annie, eles eram excitantes, um sinal de excitação em vez de medo. E assim como com a Annie, transar com o Rene era seguro de uma maneira que significava que eu poderia desfrutar da aventura, em vez de monitorar constantemente o ponto em que aquilo poderia se transformar em um pesadelo.

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Costumo sair com mulheres com muito mais frequência do que com homens, mas isso tem tudo a ver com atração, não com medo.

Aos 29 anos, sair para um encontro e transar ainda não é fácil, especialmente depois de abraçar a minha bissexualidade, mas é um milhão de vezes mais simples com uma compreensão da diferença que o consentimento vocal e deliberado pode fazer. Costumo sair com mulheres com muito mais frequência do que com homens, mas isso tem tudo a ver com atração, não com medo (há apenas um número significativamente maior de mulheres com a vida em ordem para serem boas parceiras. A competência é sexy, o que posso dizer?). Os homens que se encontram na minha vida compartilham um denominador comum com as mulheres: são ansiosos para ter uma conversa, ou melhor, quantas conversas forem necessárias, sobre desejo e consentimento. Isso significa que o sexo é sempre seguro, mesmo que seja propositalmente perigoso. Isso significa que o sexo, no pior dos casos, é medíocre e carente de conexão, em vez de traumatizante ou assustador.

Encontrar a coragem para dizer não — talvez o mais importante para mim mesma, quando meu instinto é deixar meu constrangimento me reprimir em silêncio — não é um escudo perfeito. Nem todo mundo que conheço será honesto quando for importante. Mas encontrar as maneiras certas de falar sobre sexo, em vez de concentrar em encontrar a pessoa certa com quem eu deveria fazer sexo, tem me mantido ilesa até agora. Cada questão, cada conversa se transforma em uma espécie de para-raios — o qual pode entrar em colapso a qualquer momento, mas está conseguindo proteger aquela garotinha de ataques diretos enquanto ela assiste à uma tempestade assolar em sua cozinha. Eu entendo a diferença agora entre a possibilidade estatística de que eu possa me machucar e a certeza de que vou me machucar, e que vou merecer isso por ousar querer alguém. Eu não construí uma arma, mas uma ferramenta que me mantém segura. E com isso eu ando através da tempestade, geralmente sem medo. ●

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Krutika Mallikarjuna é atualmente a editora na TVGuide.com. Você também pode encontrá-la em Shondaland, Teen Vogue, BuzzFeed e Inverse, mas, sem dúvida, seus melhores textos estão no Twitter, ao vivo e bêbada no @krutika.

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A tradução deste post (original em inglês) foi editada por Victor Nascimento.

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