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O novo presidente do México gosta de uma briga, e agora ele terá que lidar com Donald Trump

Andrés Manuel López Obrador é um populista, assim como o presidente norte-americano. Mas essa é a única coisa que os dois líderes têm em comum.

CIDADE DO MÉXICO – Das últimas duas vezes em que concorreu à Presidência, ele se manteve fiel à ideologia com a qual sua base eleitoral se identificava. Mas durante sua terceira e mais recente candidatura, cedeu à antiquada elite detentora do poder no México – e saiu vitorioso.

O eleitorado de Andrés Manuel López Obrador perdoou suas contradições e o carregou, de maneira esmagadora, até a vitória. Desse ponto de vista, ele se parece muito com o seu equivalente americano, o presidente Donald Trump, que prometeu “drenar o pântano”, mas, em vez disso, trouxe o pântano para o principal cargo executivo do país.

A previsão era de que López Obrador, ou AMLO, como é popularmente conhecido, ganharia com 50% dos votos. Agora que ele ganhou com a maior margem entre todos os presidentes da história de seu país, AMLO terá de se confrontar com um presidente americano extremamente hostil, obcecado por um controverso muro na fronteira e pela economia interna. Uma relação entre os dois líderes será inevitável, já que as economias, os desafios de segurança pública e, em muitos casos, as famílias dos dois países estão intrinsecamente ligados. Mas essa relação provavelmente também será marcada pela tensão.

O foco principal do novo presidente, contudo, estará na redução da corrupção em seu país, em dar emprego à população rural e em elaborar uma “constituição moral”, uma espécie de plano de ação para que os mexicanos possam encontrar a verdadeira felicidade, nas palavras de López Obrador.

“Teremos dois presidentes mais preocupados com seus próprios países”, afirmou Celia Toro, especialista em relações internacionais da Universidade Colégio de México. “A incerteza é, atualmente, a única previsão”, prosseguiu Toro.

Horas após o anúncio do resultado da eleição mexicana, no entanto, Trump ergueu a bandeira branca. “Parabéns a Andres Manuel López Obrador por se tornar o próximo presidente do México. Estou muito ansioso para trabalhar com ele. Há muito a ser feito para beneficiar tanto os Estados Unidos quando o México!”, tuitou.

Enquanto os dois países tentam recuperar sua relação, os mexicanos estão se ajustando à vitória de López Obrador – um momento de virada para o México, subvertendo o status quo estabelecido em 1929, consequência da Revolução Mexicana, e colocando no poder um partido antissistema de esquerda com apenas quatro anos de vida, sem muita experiência em governar, e cujo icônico líder prometeu transformar o país “radicalmente”.

Sua ascensão ao poder após duas tentativas sem sucesso de chegar à Presidência é amplamente reconhecida não como uma resposta a Trump, mas sim como uma profunda e significativa frustração com um sistema político reconhecidamente tomado pela corrupção e com índices de violência nunca antes vistos desde a implantação do sistema de medição em 1997.

Sua vitória esmagadora apequenou o autoritário Partido Revolucionário Institucional, que foi sinônimo de México durante quase um século – e onde López Obrador deu seus primeiros passos na política.

López Obrador, que nasceu em uma família de classe média em um dos Estados mais pobres do México, Tabasco, prometeu acabar com a corrupção no governo, apesar de suas propostas vagas serem baseadas apenas na sua própria honestidade. Ele jurou cortar pela metade seu salário, transformar a residência oficial do presidente em um centro cultural e viver em uma casa mais humilde, que será alugada. Ele também disse que não utilizará a guarda presidencial, a unidade do exército responsável pela proteção do presidente, e prometeu realizar um referendo sobre a sua performance bienalmente.

Mas ele também trouxe para o seu círculo interno o multimilionário Alfonso Romo, Napoleón Gómez Urrutia (ex-líder do sindicato dos mineiros que estava foragido após ser acusado de roubar US$ 55 milhões dos trabalhadores) e diversos membros da família de Elba Esther Gordillo, uma ex-líder do sindicato dos professores, atualmente em prisão domiciliar por acusações de desvio de dinheiro.

A mudança sísmica na estrutura política do México ocorre em um momento de fragilidade na relação do país com os EUA, com os comentários depreciativos de Trump unindo os mexicanos em uma exigência de respeito.

Forjar uma relação bem-sucedida com Trump pode acabar sendo um dos maiores desafios de López Obrador. A estratégia de “fazer Donald Trump respeitar o México” está “fadada ao fracasso”, disse ao BuzzFeed News Arturo Sarukhan, ex-embaixador do México nos EUA.

A opinião de Trump sobre o México é, “antes de mais nada, uma questão pessoal, turbinada pela conveniência político-eleitoral”, acrescentou Sarukhan.

“Arrogante” e “convencido” são algumas das palavras usadas por López Obrador para descrever Trump nos últimos meses – apesar de ele, como os outros candidatos, ter mencionado Trump apenas algumas vezes durante a campanha.

Em cima de um palanque durante um comício em janeiro, López Obrador fez uma referência ao muro fronteiriço de Trump, dizendo que o investimento em agricultura e o programa de geração de empregos em sua administração evitariam que as pessoas migrassem para o exterior. “Trump, ou quem quer que esteja lá, pedirá aos mexicanos que trabalhem nas colheitas deles”, disse de maneira enérgica.

Independentemente de qualquer tensão que possa surgir entre os dois líderes, a história e a geografia os obrigará a chegar a um consenso. “Não há nenhuma outra relação com tamanho efeito cotidiano na vida das pessoas, dos dois lados da fronteira”, disse Earl Anthony Wayne, ex-embaixador dos EUA no México. O diplomata disse que o comércio entre EUA e México gera US$ 1 milhão por minuto.

“É um casamento”, afirmou Evan Ellis, professor de estudos latino-americanos no Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade de Guerra do Exército dos Estados Unidos. “Pode haver um dia bom ou um dia ruim, mas EUA e México permanecerão casados no fim das contas.”

A principal controvérsia, concordam os analistas, será o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA). Trump argumentou que o tratado, em vigência há 24 anos entre EUA, México e Canadá – sendo que este último mais do que triplicou seu comércio com os EUA desde sua entrada em vigor –, tem sido injusto para os Estados Unidos. López Obrador, que já nomeou um ex-economista da Organização Mundial do Comércio para assumir as rédeas da negociação, prefere chegar a um acordo em vez de buscar uma revogação do tratado, algo que Trump já ameaçou fazer.

Mas isso não quer dizer que AMLO não está disposto a abandonar o NAFTA caso não haja uma melhora do tratado.

Gerardo Esquivel, assessor econômico de López Obrador, disse à rede Bloomberg no início do ano que eles prefeririam evitar um confronto com os EUA, mas que “almejavam um avanço, e não uma regressão, do NAFTA”.

A migração, centro das atenções nos EUA nos últimos meses, será uma das questões mais complexas para ambos os países. O México investiu significativamente na fortificação de sua fronteira meridional e aumentou as detenções e deportações de centro-americanos após um surto no número de menores desacompanhados entrando ilegalmente nos EUA através da fronteira com o México. Na época, como agora, esses menores fugiam da violência das gangues e dos altos índices de homicídio em Honduras e em El Salvador e da extrema pobreza na Guatemala.

Desde então, a cooperação entre os países só cresceu: o Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos vem tirando impressões digitais e escaneando as retinas dos presos nos centros de detenção no sul e na capital do México, segundo reportagem publicada em abril no jornal Washington Post.

Um provocador López Obrador anunciou durante o segundo debate presidencial, em maio, que o México “deixaria de fazer o trabalho sujo dos outros”. E ainda prometeu a criação de um Instituto Nacional de Migração em Tijuana. “Há uma justificativa legítima para isso”, afirmou, sugerindo que seu governo não seria tão favorável à detenção de imigrantes centro-americanos.

Os analistas não acreditam que essa bravata possa se tornar uma moeda de troca efetiva para López Obrador.

“Trump não dá a mínima para o trabalho feito pelo México na contenção do fluxo de imigrantes”, afirmou Raúl Zepeda Gil, professor de relações internacionais na Universidade Nacional Autônoma do México.

Qualquer efeito colateral em razão da mudança na atual estratégia pode acabar espirrando no México. As cidades ao longo da fronteira com os EUA já estão sentindo a pressão do surto na população de imigrantes, com as famílias decidindo ficar no lado mexicano, na esperança de que as políticas migratórias de Trump sejam abrandadas futuramente.

López Obrador também terá de governar um país em luto pelas pelo menos 136.000 pessoas assassinadas durante o governo de seu predecessor. E ainda terá de lidar com as facções criminosas que estão tomando o controle de oleodutos em todo o país. Entre uma das poucas propostas concretas sobre segurança feitas durante sua campanha, López Obrador sugeriu conceder anistia a criminosos.

Isso provavelmente não será visto com bons olhos por Trump, que lançou sua campanha em 2015 acusando o México de enviar “estupradores” e criminosos através da fronteira.

A proposta de anistia de López Obrador foi considerada extremamente polêmica no México, principalmente entre as vítimas dos crimes cometidos, mas nesse ponto suas mãos estarão atadas por Trump, principalmente se a criminalidade continuar crescendo: o governo mexicano ainda utiliza a inteligência colhida pelas autoridades policiais dos EUA no México para capturar alguns dos seus criminosos mais procurados.

“Nós precisamos disso. Os americanos estão felizes. Ele não vai expulsar a DEA (agência antidrogas dos EUA) ou o FBI do México do dia para a noite”, afirmou Toro, acrescentando que é muito provável que esses acordos continuem vigorando sem que Trump ou López Obrador comentem publicamente sobre eles – para não correrem o risco de sua revogação em caso de uma briga via Twitter.

O tom dessa relação provavelmente será definido nos próximos dias após a aproximação inicial de Trump. “Ele telefonará ou não? E se ele o fizer, o que dirá?”, perguntou-se Toro.

E há outro cenário possível, afirmou a especialista: Trump pode fazer o que vem fazendo e informar ao mundo como abordará essa nova relação. Pelo Twitter.

Colaboraram Emily Tamkin, com informações de Washington, D.C., e Steve Fisher, da Cidade do México.

Este post foi traduzido do inglês.

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