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Ela precisou pagar um grupo de estranhos para levar embora o cadáver de seu tio

Centenas de corpos apodrecem dentro das casas, nas calçadas e nos hospitais de Guayaquil, a maior cidade do Equador e uma das áreas mais afetadas pelo coronavírus na América Latina.

José Francisco Vargas morreu no segundo andar de suas casa, no domingo.

Por cinco dias, seu corpo ficou ali se decompondo.

Em um quarto do térreo, Carmen, sobrinha de Vargas, espremia-se com suas duas filhas pequenas. Com oito meses de gravidez, ela ligou para a emergência inúmeras vezes, implorando para que o cadáver do tio fosse removido. Carmen teme que elas também apresentem uma tosse a qualquer momento, o prenúncio da Covid-19, a doença potencialmente fatal causada pelo novo coronavírus.

Centenas de cadáveres apodrecem dentro das casas, nas calçadas e nos hospitais de Guayaquil, a maior cidade do Equador e uma das áreas mais afetadas pela disseminação do coronavírus na América Latina. Exaurido, o governo não consegue acompanhar o ritmo das mortes, e, com medo do contágio, as funerárias estão se recusando a lidar com os corpos.

Há semanas, líderes de todo o mundo impõem medidas cada vez mais rígidas para evitar que seus países sejam tomados pelo vírus. Para Guayaquil, esse momento chegou, e é um prelúdio assustador daquilo que vários países da região podem ter de enfrentar.

"Estou cansada, nervosa, preocupada", disse Carmen, que pediu para que seu sobrenome seja omitido por medo de retaliação do estado, "e este tormento ainda não acabou".

Vídeo: no fim, Carmen teve que pagar a um grupo de estranhos para retirar de sua casa o corpo do tio.

Vídeos de famílias jogando corpos nas ruas de Guayaquil e de quartos de hospitais repletos de sacos de cadáveres inundaram as redes sociais nos últimos dias. Embora muitos deles sejam difíceis de confirmar, as autoridades admitiram que a situação saiu do controle.

"Exigimos que o governo nacional venha recolher os corpos que estão se amontoando", disse Cynthia Viteri, prefeita de Guayaquil, durante uma entrevista no NTN24, um canal de notícias colombiano, na segunda-feira.

No dia seguinte, Viteri disse que contêineres seriam instalados por toda a cidade para acolher temporariamente os mortos. Viteri, que ganhou notoriedade internacional no mês passado, depois de bloquear uma pista de pouso e impedir que um avião de Madri aterrizasse, disse que seu teste deu positivo para coronavírus.

O Equador adotou algumas das medidas mais rígidas para impedir a propagação do coronavírus, incluindo abolir todas as viagens internacionais e interestaduais e impor um toque de recolher nacional das 14h às 5h. Ainda assim, a crise no país dá uma amostra do que acontece quando os aparatos de saúde e segurança de uma nação entram em colapso no meio de uma pandemia.

Até a quinta-feira (2), o Equador somava 3.163 casos confirmados de coronavírus e 120 mortes, segundo o Ministério da Saúde do país. A maioria desses casos está na província de Guayas, onde Guayaquil fica localizada. Nós próximos meses, é esperado que entre 2.500 e 3.500 pessoas morram na região, de acordo com Jorge Wated, o oficial responsável por liderar a força-tarefa para recolher os mortos.

Quando foi nomeado inicialmente para liderar a força-tarefa, esta semana, Wated disse que havia planos para construir uma vala comum em Guayaquil, embora as autoridades tenham, aparentemente, voltado atrás mais tarde.

"Todos os mortos devem ter um enterro digno", disse o vice-presidente Otto Sonnenholzner.

Mas isso parece estar fora do alcance de muitos, por ora.

Como o número de testes é extremamente limitado, não está claro quem está morrendo de coronavírus. Carmen disse que seu tio desenvolveu tosse e falta de ar na semana passada. Eles o levaram a um hospital, mas o lugar estava tão cheio, que não conseguiram entrar, ela disse. Vargas morreu um dia depois. Agora, outro tio de Carmen, que mora ao lado, começou a exibir sintomas de Covid-19.

Em casas de toda a Guayaquil, a dor da perda é acentuada pela raiva de ter que assistir enquanto familiares se decompõem — rapidamente, com a temperatura de 31ºC dos últimos dias.

No sábado, outra moradora, Stefany Espinoza, ligou para a emergência inúmeras vezes, depois que sua avó começou a sentir falta de ar. No dia seguinte, Espinoza tuitou uma foto sua com a avó. "Ela morreu hoje ao meio-dia, eu ligo sem parar para pedir ajuda para remover o corpo. Estamos arrasados e precisamos de ajuda. Por favor."

Minutos antes de uma entrevista por telefone marcada para discutir a situação com o BuzzFeed News, Espinoza cancelou. Seu avô começou a desenvolver sintomas.

Em um tuíte a Wated, outra mulher suplicava para que o corpo de seu pai fosse removido de sua casa. Eu estou com crianças em casa, liguei para a emergência milhares de vezes", escreveu @MaFerPeG. "Ele está começando a exalar cheiro."

Cansada de esperar as autoridades chegarem e recolherem o corpo de seu tio, na quinta feira à tarde, Carmen tentou acenar para um grupo de soldados. Eles a ignoraram, ela disse. Ela, então, saiu de casa, encontrou um grupo de homens na rua e disse a eles que pagaria para que a ajudassem.

Carmen disse que deu US$ 10, luvas e uma máscara a cada um, e, juntos, eles carregaram Vargas, descendo por uma escada estreita e seguindo em direção à rua. Eles, então, colocaram o corpo em uma picape vermelha e partiram com o carro.

Este post foi traduzido do inglês.

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