Adolescente trans sofre perseguição após soldado vazar no Facebook registro de alistamento

Marianna Lively recebeu dezenas de ligações, mensagens de WhatsApp e teve dados pessoais e fotos suas compartilhadas em redes sociais com mensagens transfóbicas.

A jovem transexual Marianna Lively se alistou no exército na última quarta-feira (23) no 4º Batalhão de Infantaria Leve, em Osasco, São Paulo.

No Brasil o alistamento militar é obrigatório para os homens ao completar 18 anos. Como Marianna ainda não conseguiu alterar seus documentos, teve que comparecer ao alistamento.

O que Marianna não esperava é que um simples ato obrigatório geraria tantos problemas em sua vida.

Apesar de não ter sofrido nenhum tipo de preconceito durante o momento do alistamento, ela acabou se tornando alvo de perseguição virtual após imagens suas durante o processo terem sido divulgadas na internet.

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Alguém compartilhou suas fotos e elas começaram a aparecer no Facebook e WhatsApp acompanhadas de piadas com o fato dela ser transexual. Para completar, pessoas começaram a ligar para ela para assediá-la.

Reprodução/ Facebook

No Facebook, Marianna compartilhou a história:

Sou Marianna (nome social) sou transgênera, tenho 17 anos. Fui me apresentar no quartel no dia 23/09/2015 como meu dever de cidadã brasileira. Chegando lá todos me trataram normalmente, sem preconceito e com educação. Porém, no mesmo dia quando era 14:00 começaram algumas ligações estranhas em minha residência. Pessoas desconhecidas do Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e Ceará, procuravam por David (meu nome de registro). Esses desconhecidos que estavam ligando, caçoavam de mim por eu ser trans, já outros me diziam ter gostado de mim e queriam deixar telefone para eu entrar em contato

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Em entrevista ao BuzzFeed Brasil a jovem contou que foram dezenas de ligações. "Ligavam de minuto a minuto, teve uma hora que parei de atender".

Para piorar, Marianna conta que por volta das 10 da noite as fotos acima começaram as compartilhadas em redes sociais e WhatssApp acompanhadas de mensagens transfóbicas. No dia seguinte, ela voltou ao local para esclarecer com o capitão da base onde havia se apresentado o poderia ter acontecido.

"O capitão pediu desculpas pelo transtorno, disse que a pessoa que havia feito o ato de infantilidade iria ser punido, mas ao mesmo tempo que ele me dizia isso, ele dizia que era para eu deixar as coisas se acalmarem e simplesmente trocar de telefone, como se fosse reparar o erro deles", relatou ela no seu Facebook.

Ao BuzzFeed Brasil completou: "Me senti um lixo exposto, fiquei muito mal, com uma ferida aberta. Nenhuma trans quer ser chamada pelo seu nome de registro, é constrangedor. Ainda mais ter desconhecidos ligando em sua residência."

Procurado pelo BuzzFeed Brasil, o Comandante David do Batalhão de Polícia do Exército de Osasco, responsável pela região, afirmou que está aguardando Marianna para esclarecimento.

"O caso ocorreu em frente ao quartel e eu desconheço a instalação então não posso te afirmar nada, mas já estou sabendo do ocorrido por cima e estou aguardando a vinda da jovem para auxiliá-la", disse David por telefone.

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Marianna então buscou uma advogada e registou um boletim de ocorrência na Polícia Militar. Como uma das imagens que circulam trazem, além do seu telefone, o seu endereço, a jovem foi para casa de uma tia.

As advogadas Patricia Gorisch, da OAB/Santos e presidente da Comissão Nacional de Direito Homoafetivo do IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família, e Ana Carolina Borges, da OAB/Bauru estão atuando no caso.

"Como o caso ocorreu dentro do quartel, temos que fazer um boletim na Justiça Militar. Além disso, abriremos um procedimento administrativo na corregedoria para investigar e punir quem foi o autor das fotos e a divulgação dessas no WhatsApp e Facebook", diz Patricia em entrevista ao BuzzFeed Brasil.

Reprodução/ Facebook

A dupla de advogadas vai ingressar na justiça estadual por danos morais e para conseguirem uma liminar para que as fotos sejam bloqueadas. Também entrarão com um processo administrativo pela lei 10.948/01, que pune administrativamente a transfobia no estado de São Paulo.

"Quem curtiu e compartilhou as imagens com mensagens transfóbicas também serão punidas no direito cibernético e no atual marco civil da internet, além de pela lei 10948/01, injúria, difamação e danos morais," diz a advogada.

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Marianna diz que vai realizar todas as denúncias e seguir com o processo porque não quer que "outras trans passem pelo mesmo". "Espero ter sido a ultima a ter sido feita de chacota com o ato de infantilidade do quartel," disse.

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