• BuzzFeedVozes badge

A depressão quase acabou com a carreira de Deize Tigrona. Ela conta o que a trouxe de volta.

"Eu tinha turnê na Europa pra fazer, mas não conseguia ir. Larguei tudo, não dormia, tava com medo de ficar perto dos meus filhos. Fui diagnosticada com depressão e falava que depressão era coisa de gente rica."

Em meados de 2008, Deize Maria Gonçalves — também conhecida como Deize Tigrona — era uma das principais figuras do funk carioca e estava prestes à viajar para sua maior turnê na Europa, por onde já havia excursionado duas vezes. Mas ela não conseguiu entrar no avião.

Deize Tigrona foi diagnosticada com depressão. E por conta disso sua vida, assim como sua carreira, passou por uma reviravolta.

Mais de 10 anos depois da mudança de vida que a fez trabalhar cerca de cinco anos como funcionária da Corlumb, empresa responsável pela limpeza urbana no Rio de Janeiro, Deize Tigrona, hoje com 39 anos, retomou o foco na carreira como MC. Hoje (3) ela está novamente na Europa, dando início a sua nova turnê pelo continente.

O BuzzFeed Brasil conversou com a cantora sobre a retomada na carreira, a convivência com a depressão e seus planos para o futuro.

Início na música e sample da M.I.A.

Deize começou sua carreira na música escrevendo poesias. A sonoridade das rimas fez com que ela transformasse a carreira de poetisa em MC, sendo uma das poucas mulheres em uma cena predominantemente masculina.

"Como as poesias davam rimas, eu cismava que tinha que cantar. Comecei a gravar lá por 1997 e não imaginava que ia dar no que deu, de estar onde estou hoje. Não tinha muita referência feminina para me inspirar. Lá na época, que eu lembre, tinha a MC Cacau, mas a maioria era de homens. Ah, e eu era vizinha de porta do MV Bill — ele morava no apartamento 407 e eu no 405 — e eu meio que queria fazer a mesma coisa que ele."

Seu primeiro grande sucesso foi "Injeção", que rodou o Rio de Janeiro graças à persistência da MC, que insistia para os DJs tocarem sua música. E foi com uma confusão com a cantora M.I.A., que sampleou a música da Deize sem autorização, que cantora brasileira começou sua carreira internacional, com direito a parceria com o produtor americano Diplo.

Deize Tigrona - "Injeção"

Veja este vídeo no YouTube

youtube.com

"Eu ficava o dia todo na casa do DJ Ricardinho, num quarto cheio de vinil. Certa vez, meu marido falou: pô, por que você não faz uma letra com 'tá ardendo, mas tá entrando?'. Eu fiquei meio sem entender, mas fui pra cozinha e comecei a compor, lembrei de injeção e saiu. Mostrei a letra pro Ricardinho e gravamos. Ele me arrumou um show logo depois e a primeira vez que toquei a música no baile todo mundo pirou. Teve uma vez que tava andando na rua, lá na Cidade de Deus, e ouvi minha música tocando. Daí percebi que tinha estourado", disse Deize.

Um programa de TV da Nova Zelândia sobre Deize

Veja este vídeo no YouTube

youtube.com

"Nisso, eu enchia o saco do DJ Marlboro pra tocar minhas músicas nos bailes. Ele queria tocar 'Injeção' e eu querendo que ele tocasse outras músicas minhas. Daí ele deu um jeito e minha música começou a tocar nas rádios. Mas a época da 'Injeção' acabou e eu fiquei um tempo sem fazer show. Daí, teve uma vez que um empresário me chamou pra fazer um show em São Paulo, numa casa em que o Marlboro era residente. Quando eu cheguei, ele comentou: aí, tá animada com a tua música tocando lá fora, que a M.I.A. sampleou? Eu não fazia ideia do que estava acontecendo."

Deize não ganhou dinheiro com o sample da música, mas teve sua obra divulgada na Europa e teve abertura para fazer turnês — sua primeira viagem aconteceu meses depois da descoberta. Nessa época, com o funk carioca se expandido, a MC foi a porta-voz da cultura lá fora.

M.I.A. - "Bucky Done Gun"

Veja este vídeo no YouTube

youtube.com

Depressão e retomada

Quando começou a fazer sucesso no exterior, inclusive se apresentando no Rock in Rio Lisboa, foi aí que a MC se viu com depressão, uma doença que a tirou dos palcos por quase quatro anos.

"Em 2008, depois de voltar de uma turnê da Europa, não tava me sentindo legal. Esses dias lembrei de uma entrevista que dei à revista Rolling Stones e falava que não tava bem, que estava meio confusa, não falava coisa com coisa. Só que nisso, eu tinha muito show pra fazer e mais turnê na Europa, mas eu não conseguia ir. Eu larguei tudo, eu não conseguia dormir, tava com medo de ficar perto dos meus filhos. Fui diagnosticada com depressão e falava que depressão era coisa de gente rica. Quando você não tá bem, mas não tá com febre, não tá com tosse, nada, é difícil. Eu tinha uma sobrinha que tinha depressão e foi conversando com ela que comecei a entender o que eu estava passando".

Deize Tigrona no Rock in Rio Lisboa 2008 com o grupo português Buraka Som Sistema

Veja este vídeo no YouTube

youtube.com

Precisando de dinheiro, em 2014 Deize passou no concurso da Columrb e passou a trabalhar como gari em um hospital, onde era constantemente reconhecida. A pergunta comum era: o que a Deize Tigrona estava fazendo ali, trabalhando com limpeza urbana?

"Precisava trabalhar e não tinha show pra fazer. Estudei bastante e passei no concurso da Companhia Municipal de Limpeza Urbana, a Comlurb. Não sei se sou muito pé no chão ou sem vergonha, porque muita gente chegava em mim e falava: 'Você não é a Deize Tigrona? O que você tá fazendo aqui?'"

Em 2019, a carreira de Deize Tigrona ganhou uma nova página. A cantora fechou parceria com a Batekoo Music, selo musical do coletivo cultural. A parceria já rendeu frutos imediatos, com o fechamento da turnê europeia, que tem início nessa quinta-feira e se estende até o dia 28.

"Essa parada que eu dei foi intensa. Não queria fazer nada, não mexia na internet. Em 2012, fiz 'Prostituto' meio de revolta. Jornal me ligava, um monte de gente falando que minha música tava tocando, mas meu marido não me passava essas coisas, ele foi dando o tempo que eu precisava. Eu só dormia, tomava remédio e dormia. Daí, decidi voltar a estudar e foi normalizando. Se eu não parasse aquela época, alguma coisa ia me parar. Em 2014, fui convidada para participar de uma festa em Salvador e conheci o pessoal da Batekoo lá", disse.

Eliabe Freitas, gerente da Batekoo Records, disse que o nome de Deize se encaixa perfeitamente na proposta do selo. "Ela é referência no funk. Nós, que trabalhamos com o público LGBTI+ e de periferia, acreditamos que tínhamos muito a somar com a Deize e ela com a gente. E essa parceria já tá andando muito bem em pouco tempo".

"Meu sentimento é que não acabou o funk e a cultura pra mim. Me sinto um pouco como mãe, é uma emoção inexplicável ver Batekoo e Deize na Europa", disse a MC, cuja turnê passará por Portugal, Espanha, Itália, Inglaterra, Bélgica, Holanda e Alemanha.




Utilizamos cookies, próprios e de terceiros, que o reconhecem e identificam como um usuário único, para garantir a melhor experiência de navegação, personalizar conteúdo e anúncios, e melhorar o desempenho do nosso site e serviços. Esses Cookies nos permitem coletar alguns dados pessoais sobre você, como sua ID exclusiva atribuída ao seu dispositivo, endereço de IP, tipo de dispositivo e navegador, conteúdos visualizados ou outras ações realizadas usando nossos serviços, país e idioma selecionados, entre outros. Para saber mais sobre nossa política de cookies, acesse link.

Caso não concorde com o uso cookies dessa forma, você deverá ajustar as configurações de seu navegador ou deixar de acessar o nosso site e serviços. Ao continuar com a navegação em nosso site, você aceita o uso de cookies.