Episódio de "Black Mirror" erra ao falar sobre pílula do dia seguinte

Ao contrário do que diz a série, ela não é abortiva! Aviso: este post contém spoilers.

Se você viu o episódio "Arkangel" da nova temporada de "Black Mirror", sabe que ele trata de pais superprotetores que SAÍRAM DO CONTROLE.

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Um breve resumo: uma mãe, Marie (Rosemarie DeWitt), monitora sua filha, Sara (Brenna Harding), por meio de um chip implantado na cabeça da menina quando ela tinha 3 anos.

O chip permite que Marie monitore (por meio de um dispositivo semelhante a um iPad) o paradeiro de Sara o tempo todo (por GPS ou através dos próprios olhos de Sara), além de monitorar suas funções corporais e filtrar imagens violentas e perturbadoras (elas ficam pixelizadas).

Aos 15 anos, Sara começa um relacionamento com outro adolescente, Trick (Owen Teague), e a mãe descobre que sua filha está transando e experimentando drogas. Depois, também descobre que Sara está grávida.

No que a diretora Jodie Foster chamou de "a maior invasão de todas", Marie tenta interromper a gravidez da filha preparando-lhe uma vitamina misturada com uma pílula contraceptiva de emergência (PCE), também conhecida como "pílula do dia seguinte".

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Sara passa mal e, depois de vomitar no banheiro da escola, vai à enfermaria, onde passa por alguns exames e lhe é informado que havia sido a pílula do dia seguinte a razão do seu mal-estar. "PCE?", pergunta Sara.

"Pílula contraceptiva de emergência", responde a enfermeira. "Para interromper sua gravidez". Mais tarde, ela reitera a Sara: "Você não está mais gravida".

É um ponto de grande reviravolta na história, já que Sara percebe que sua mãe havia traído sua confiança.

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No entanto, há um fato importante aqui: não é assim que a pílula do dia seguinte funciona. Ela não causa aborto.

Naturalmente, a internet percebeu o erro.

@kittybrentwood / Via Twitter: @kittybrentwood

"Acabei de terminar o segundo episódio de Black Mirror dirigido por Jodie Foster. Senhora Foster, por que você achou que era uma boa ideia usar a anticoncepção de emergência para ABORTAR um feto? NÃO É ASSIM QUE A PÍLULA DO DIA SEGUINTE FUNCIONA!"

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@MerielJenkins / Via Twitter: @MerielJenkins

"Bom dia para todos, menos para o black mirror, por espalhar a ideia equivocada de que a contracepção de emergência 'dá fim a uma gravidez', especialmente porque não há como existir uma gravidez depois de 48 horas!"

@laurenarankin / Via Twitter: @laurenarankin

"A CONTRACEPÇÃO DE EMERGÊNCIA NÃO É A MESMA COISA QUE UMA PÍLULA ABORTIVA. SÃO DOIS REMÉDIOS DIFERENTES QUE FAZEM COISAS DIFERENTES. CONFUNDIR AS DUAS É PERIGOSO E IRRESPONSÁVEL."

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A verdade é que a pílula do dia seguinte só evita a gravidez se tomada antes de ela acontecer.

Mike Mozart / Via flic.kr

"Talvez neste futuro distópico, a contracepção de emergência seja outra coisa. Mas atualmente, não é algo que pode induzir um aborto", diz Daniel Grossman, professor de obstetrícia e ginecologia da Universidade da Califórnia, São Francisco (EUA). "Ela não tem efeito se você tomá-la com a gravidez já estabelecida".

A pílula do dia seguinte deve ser tomada poucas horas após o sexo sem proteção. Ela funciona atrasando a ovulação ou intervindo na migração dos espermatozoides.

Na verdade, as pílulas que provocam o aborto são muito diferentes da pílula do dia seguinte.

Phil Walter / Getty Images

As pílulas de contracepção de emergência são apenas um medicamento, como o levonorgestrel. A pílula abortiva, por outro lado, é na verdade dois medicamentos (mifepristona e misoprostol) que são tomados em uma sequência, com 24 a 48 horas de intervalo, diz Grossman.

Além disso, a "pílula abortiva" funciona de forma diferente. A mifepristona funciona bloqueando a atividade da progesterona que o corpo precisa para continuar com a gravidez, e o misoprostol funciona interrompendo a gravidez, esvaziando o útero — causando cólicas, sangramento e náuseas.

No Brasil, as PCEs são comercializadas em farmácias e estão disponíveis na rede pública de saúde (SUS) sem receita médica. O mesmo não ocorre com pílulas abortivas.

O Brasil proíbe o aborto exceto em casos de gravidez decorrente de estupro e incesto, para salvar a vida da mãe e em casos de anencefalia fetal.

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Confundir os dois medicamentos só espalha uma informação errada que pode prejudicar o público.

Na verdade, confundir os dois medicamentos é só um dos equívocos sobre o aborto que aparecem na TV o tempo todo, disse Gretchen Sisson ao BuzzFeed Health. Sisson é socióloga e analisou a representação do aborto na TV americana para o grupo de pesquisa ANSIRH.

Ao usar informações incorretas, Grossman diz que a indústria do entretenimento perde a oportunidade de esclarecer o que é a contracepção de emergência. "Muitas pessoas devem acreditar que a pílula do dia seguinte é abortiva porque não entendem a mecânica de como esses medicamentos funcionam e o impacto que eles têm". Ela também observou que os roteiristas poderiam ter divergido das restrições médicas e tecnológicas contemporâneas e reimaginado o aborto como algo completamente diferente da forma como ele é tratado.

E essa confusão pode ter um impacto no mundo real sobre a forma como todos nós enxergamos a contracepção de emergência.

Marc Piscotty / Getty Images

"Ao confundi-las na trama, as pessoas podem não entender por que a PCE pode estar disponível sem receita médica nas farmácias", diz Sisson.

"Há muita informação por aí do movimento antiaborto dizendo que a PCE causa aborto, quando na verdade, isso é mentira", diz Sisson. "Então essa não é apenas uma questão de compreensão médica, também é um tema de discussão política".

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Este post foi traduzido do inglês.

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