Entidades que representam donos de hotéis estão promovendo uma ofensiva em câmaras municipais para restringir serviços de hospedagem em imóveis residenciais em capitais litorâneas, que atraem forte contingente de turistas.
O alvo é uma fatia de um mercado próximo de R$ 2 bilhões, valor que anfitriões e hóspedes do Airbnb movimentaram em 2016.
O novo capítulo da disputa entre o setor hoteleiro e o gigante da economia compartilhada envolve o lobby para aprovação de leis idênticas, em cidades diferentes, visando estabelecer uma reserva de mercado, com a delimitação de áreas onde podem ou não alguém pode conseguir hospedagem em imóveis residenciais.
Em pelo menos três capitais (Fortaleza, Salvador e Vitória), vereadores apresentaram projetos que buscam impôr restrições idênticas, como vetar o serviço em certas áreas, um cadastro de quem aluga e o pagamento de ISS na própria cidade por locadores mesmo por hospedagem inferiores a 30 dias.
O argumento central das entidades é que a competição com o Airbnb é desigual, principalmente porque os usuários que oferecem suas casas não pagam os mesmos tributos que donos de hotéis.
"Começou a desequilibrar o mercado, porque surgiram os camelôs da hotelaria", afirma Ricardo Rielo, assessor jurídico da Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação (FBHA). Como exemplo, o advogado citou a proliferação de ofertas do Airbnb em bairros da zona sul carioca, como Ipanema e Copacabana, preferidas pelos turistas.
Recorta e cola
Nas proposições, os vereadores ecoam os argumentos do lobby dos hotéis. Em Salvador e Fortaleza, as propostas são idênticas até na redação do objeto da lei: "disciplinar as regras atinentes à exploração de serviço de hospedagem em imóveis residenciais."
No dia em que o vereador Michel Lins (PPS) apresentou o projeto em Fortaleza, um dos vice-presidentes da FBHA, Manoel Linhares — que também é representante do sindicato de hotéis do Ceará —, foi ao gabinete dele para demonstrar apoio e posar para uma foto.
"Fortaleza é a primeira capital que vai sair com uma lei desse tipo", disse Linhares em entrevista ao BuzzFeed News. Ele afirma que a principal questão dos donos de hotéis em relação ao Airbnb são os impostos, que, segundo Linhares, impõem um desnivelamento à competição.
A proposta é, em essência, idêntica à que está na câmara da capital cearense. Também é muito semelhante a um projeto que foi rejeitado pela Câmara Municipal de Vitória em abril.
Na capital capixaba, a tentativa do lobby hoteleiro não prosperou porque o relator afirmou que, ao legislar sobre contratos, a regulação municipal invadia a competência federal.
"Interferência na propriedade privada"
O advogado da FBHA, Ricardo Rielo, reafirma que os donos de hotéis não querem acabar com o Airbnb. "Eles têm que complementar a oferta de leitos, não rivalizar", ele afirma. "Se é para eles fazerem do jeito que está, nós também queremos."
O argumento não comove a advogada Natália Gonçalves Fontenele, que há seis anos divide o trabalho no escritório de advocacia com a locação de três imóveis para turistas na capital cearense.
"Se isso passar, é uma interferência absurda na propriedade privada. Só pode ser inconstitucional uma lei que impede um proprietário de dispor, como achar melhor, do próprio bem, desde é claro que respeite as regras de condomínio e convivência", diz Natália.
"Antigamente, as pessoas não se hospedavam tanto em apartamento por temporada, mas o mundo mudou, né?", afirma. Além do Airbnb, Natália aluga seus apartamentos por dia a clientes que chegam através de páginas e perfis que ela mesma criou no Facebook e no Instagram.