Brangelina morreu, mas Angelina sobreviverá

    A forma como o divórcio veio à tona é só mais uma prova de como a atriz consegue controlar com maestria a narrativa da imprensa em torno dela.

    O TMZ, site encabeçado pelo ex-advogado Harvey Levin, sempre se superou em explorar documentos legais para conseguir furos de reportagem. O site tem uma equipe de funcionários acampada na Corte de Los Angeles, checando todos os tipos de arquivos para encontrar pedidos de falência, de prisão e de divórcio envolvendo celebridades. Foi por isso que o TMZ foi o primeiro, no dia 20 de setembro, a trazer a notícia que Angelina Jolie havia entrado com um pedido de divórcio de Brad Pitt, seu marido por dois anos e parceiro desde 2005.

    "Brangelina" tornou-se assunto das revistas de fofoca há 12 anos, mas, desde então, deixou de ser tratado como um "escândalo" para ser algo "doméstico". Nesses anos, Angelina negociou lentamente um caminho para sair do estrelato, trocando os filmes de ação pela dramaturgia e pela direção, assim como as capas de revista por eventos de imprensa em que promovia causas humanitárias. Em maio de 2016, tornou-se professora visitante na London School of Economic. Há anos, ela vem sugerindo que em breve vai deixar de atuar. Ao mesmo tempo, Brad Pitt firmou-se como um dos mais valorizados jogadores de Hollywood: alguém com prestígio e que conseguia trazer pessoas de todas as idades para o cinema.

    Os dois estrelaram em 2015 "À Beira Mar", baseado na vida da mãe da atriz. Jolie escreveu o roteiro e dirigiu a obra. O filme bombou, mas eles pareceram pouco se importar, como se aquele fosse um vídeo caseiro, não um projeto que valia milhões.

    Talvez isso seja a definição de um casamento de poder contemporâneo: crescer e expandir seus ganhos, como um par e separados. E isso é parte da razão do por que a notícia do divórcio dos dois veio como um baque: havia poucos indícios de problemas na família.

    Conforme a maré da notícia do divórcio varreu a internet, rumores da infidelidade de Brad Pitt começaram a dominar os resultados de pesquisa do Google: Ele teria transado com a coestrela de "Aliados", Marion Cotillard; Ele estaria voltando para Gwyneth; Jennifer Aniston também estaria pedindo divórcio!

    Pela neblina das fofocas, contudo, o controle da narrativa de Angelina veio à luz: foi ela, não Brad Pitt, que pediu o divórcio, pedindo a custódia das crianças. Foi ela quem contratou a famosa advogada Laura Wasser, conhecida por ter negociado os divórcios de Johnny Depp, Gwen Stefani e Britney Spears. Foi ela que fez o advogado Robert Offer dar a primeira declaração sobre o divórcio ao jornal "The New York Times", para explicar que "a decisão" havia sido tomada "pela saúde da família".

    Angelina pediu o divórcio no fim de setembro, bem quando Brad Pitt estava prestes a engrenar uma campanha pelo Oscar com o filme "Aliados". Ela sabia que Brad Pitt iria querer acabar com qualquer indício de escândalo rapidamente e sem alarde. Ela "permitiu" que a notícia fosse descoberta por documentos legais em vez de usar um publicitário ou a "People Magazine". Com isso, criou um vácuo de fofocas em cima do qual todas as formas de especulação podem ser construídas, como boatos de abuso de drogas e visitas de strippers a Pitt.

    Brad Pitt, daqui por diante, ficará na defesa — assim como sempre esteve no caso da carreira de Angelina. Isso porque Angelina sempre foi a primeira arquiteta da forma como as outras pessoas a veem.

    Brangelina dominou por completo o mundo das fofocas do seu início ao fim. Quando os primeiros rumores de um relacionamento entre os dois começaram a aparecer, em 2004, Brad Pitt ainda estava casado com Jennifer Aniston, a queridinha dos Estados Unidos. A vida de Pitt e Aniston era descrita em detalhes nas capas da revista "People" como o relacionamento ideal da nação.

    Já Angelina Jolie, atriz que estrelava de filmes como "Tomb Raider" a "Garota Interrompida", estava saindo de um casamento com Billy Bob Thornton. Ela havia ficado famosa ao carregar um frasco com o sangue do marido no tapete vermelho. Ela tinha tatuagens, muitas tatuagens. Ela tinha acabado de adotar uma menino de Camboja. Ela contou à "Vanity Fair" que ela tinha "dois amantes" com quem fazia sexo em quartos de hotel –pois é isso que você faz quando é mãe solteira — e que ela era bissexual.

    E então ela estrelou com Brad Pitt o filme "Sr. e Sra. Smith", em 2005. Os dois representavam agentes secretos rivais que tentavam matar um ao outro e tinham uma excelente vida sexual. Os rumores de um relacionamento rodopiaram, assim como acontece sempre que duas estrelas de cinema lindas fazem cenas de sexo.

    Em janeiro de 2005, Brad Pitt pediu divórcio de Jennifer Aniston. Em maio, ele foi “pego” brincando com o filho de Angelina em uma praia do Quênia. Em junho, o par apareceu em uma página dupla da revista "W Magazine", bem sugestiva, que os representava como pais suburbanos infelizes com uma ninhada de mini-Pitts.

    "Sr. e Sra. Smith" abriu seu primeiro fim-de-semana com US$ 50 milhões de lucro — o melhor resultado até então para os dois atores, impulsionado pelas fofocas de um relacionamento entre os dois.

    Na narrativa do triângulo amoroso, havia a ex-esposa rejeitada e boazinha, a mulher cheia de amantes e o menino simpático. Mas, no meio de tudo isso, havia também a ideia de que Pitt e Jolie simplesmente queriam ser uma família. E isso foi algo que Jennifer Aniston não quis dar e que Angelina queria como em propagandas da Benetton.

    Olhando para trás, havia duas linhas ideológicas bem claras em conflito: ser do "Time Aniston" significava torcer pela mulher desprezada, mas também pela compreensão tradicional do que a feminilidade contemporânea deveria ser. Jennifer Aniston tinha um corpo esculpido pelo Pilates, cabelo sempre igual e lindo, um bronzeado bem feito, um nariz perfeito e um lindo sorriso. Ela era uma estrela da TV, mas, mais importante, a estrela de "Friends", uma das séries mais populares e inofensivas do final da década de 1990 e início dos anos 2000. As pessoas a chamavam de "a garota da porta ao lado", mas ela era, na verdade, a garota gostosa e popular da porta ao lado que vive nos subúrbios. Uma aluna não muito empenhada que bebia vinho com suas amigas, uma grande fã dos resorts com tudo incluso no México, alguém que nunca assumia nenhum risco com a moda e que ficava linda com um vestidinho preto básico. Sua imagem era, como diríamos hoje em dia, um pouco básica. E os EUA a amavam por isso, porque ser básico é o âmago do verdadeiro ideal americano.

    É por isso que parecia tão ofensivo que Brad Pitt a tivesse deixado por alguém que era o oposto do básico: Angelina, cuja mãe foi uma documentarista e cujo pai ator de cinema fracassado, que mantinha uma relação esquisita com o irmão, que se casou jovem demais e profanou seu corpo, que estudou, brevemente, para dirigir rituais fúnebres. Ela falava sobre ter um distúrbio alimentar, em vez de chamá-lo apenas de "uma dieta". Ela dizia ser "fascinada" por heroína. Ela parecia perigosa. As pessoas se sentiam em relação a Angelina Jolie como se sentiam em relação às pessoas de Manhattan que usavam cortes de cabelo caros e se vestiam de preto o tempo todo ou góticos que adoravam poesia beat: espectros, baseados apenas superficialmente na realidade, que representam a elite cultural e, dessa forma, são uma ameaça geral para o status quo.

    No entanto, havia também uma linha secundária da imagem de Angelina, que emergiu nessa época do affair com Brad Pitt: aquela da Santa Angelina. Em 2001, ela foi nomeada como embaixadora da boa vontade pelo Alto Comissário pelos Refugiados das Nações Unidas. Em 2002, ela adotou uma criança sozinha. Ela viajava pelo mundo. Ela era uma cosmopolita e sua família era um exemplo do multiculturalismo.

    A imagem de Angelina representava algo bem diferente daquela de Jennifer Aniston. E Brad Pitt, o homem mais desejado dos tempos modernos, havia rejeitado uma pela outra.

    O ano de 2005 foi essencial para a indústria da fofoca. Blogs e paparazzi digitais estavam em franca expansão e entraram em choque com os meios tradicionais. "Us Weekly", "People" e "OK Magazine" disputavam quem pagava mais pelos direitos de fotos de celebridades. Já sites como Perez Hilton, Just Jared, Pink Is the New Blog, The Defamer e Oh No They Didn’t roubavam fotos ou simplesmente diminuíam a significância que deveriam ter on-line. Pense: paparazzi loucos forçando Reese Witherspoon e Lindsay Lohan a sair da estrada, fotos da virilha de Britney, Tom Cruise e Katie Holmes posando na Torre Eiffel — e Brangelina e sua família se expandindo.

    Parte da obsessão era cultural, mas parte foi alimentada pela quantidade enorme de imagens explorando essa obsessão. Antes da era das celebridades nas redes sociais, não havia como, exceto por meio de um perfil da "Vanity Fair", um famoso autoritariamente controlar ou negar as vozes que se proliferavam tentando "falar" o sentido de um evento, de uma foto ou de um trecho de áudio.

    No entanto, Angelina foi sagaz e entendeu o poder da imagem. Em vez de encarar o escândalo do affair com Brad Pitt de cabeça, ela simplesmente mudou o tema da conversa para os direitos humanos, o sofrimento dos refugiados, a necessidade de educar jovens meninas. E ela o fez de uma maneira bem à moda antiga: em fotos de imprensa, em discursos que não tinham nada a ver com sua própria vida amorosa, em viagens para áreas do mundo abaladas por tragédias. Ela controlou a publicidade em torno de sua família vestindo seus filhos com as mesmas roupas por vários dias, assim derrubando o preço de suas fotos. Ela administrou um jogo perfeito como se ela simplesmente não estivesse jogando nenhum.

    Aos poucos, as pessoas começaram a entrar para o "Time Jolie". Ela e Brad tinham um filho biológico — que, é importante ressaltar, era extremamente adorável —, adotaram outra criança e tiveram gêmeos.

    A narrativa em torno de Jennifer Aniston começou a azedar, as manobras de publicidade dela com vários namorados eram transparentes demais, suas propagandas de água engarrafada eram grosseiras demais. Havia boatos de que, apesar de sua insistência no sentido contrário, ela talvez não quisesse mesmo ter filhos — um contraste claro com a família de Angelina e Brad, que não parava de crescer.

    Jolie e Pitt prometeram não se casar até que todos (leia-se os gays) pudessem se casar e de forma branda voltaram atrás ao ficar claro que isso importava para as crianças. Em ritmo crescente, a imagem de Angelina ficou menos desordeira, mais desejável. Ela parecia ter se suavizado. Ela não estava mais em jogos de manipulação. Ela fez uma dupla mastectomia e exercitou o que parecia ser o fim de sua potência sexual em uma narrativa de consciência sobre o câncer. Ela não fazia mais publicidade e raramente usava maquiagem. Isso a fez parecer ainda mais autêntica e menos manipuladora.

    Por anos, fotos do casal e dos filhos chegando de viagens em aeroportos ganharam espaço cativo nas primeiras páginas das revistas de fofocas, mas aos poucos foram perdendo proeminência. Em junho, houve rumores de que Angelina estava considerando se candidatar a um cargo público, mas eles ganharam pouca atenção. Nem Brad nem Angelina tinham contas em redes sociais, o que tornava mais difícil gerar uma corrente constante de informações sobre suas vidas, como havia se tornado norma para a cobertura de fofocas. No começo desse mês, uma postagem desanimada da "People Magazine" revelou que Angelina Jolie havia comprado um ursinho de pelúcia gigante para os seus filhos.

    Isso também explica o porquê da notícia sobre o divórcio ter chegado como um choque. Brangelina era o casal de Hollywood, o pináculo do glamour. A constituição dessa família, a forma como eles viajavam, a forma como eles entendiam o mundo, a forma como eles se olhavam quando estavam juntos no tapete vermelho, a forma como eles sugeriam ser curiosos intelectualmente, ser preocupados com a humanidade e ter uma ótima vida sexual, tudo isso era o que dava relevância a eles.

    É natural comparar o triângulo amoroso entre Jennifer, Brad e Angelina com o de Debbie Reynolds, Eddie Fisher e Elizabeth Taylor na década de 1950. Naquela época, como agora, cada uma das mulheres representou uma diferente compreensão da feminilidade. Naquela época, como agora, o homem era representado como sujeito aos caprichos das mulheres que o cercavam. No entanto, quando Taylor "ganhou" Fisher, aquele relacionamento também desintegrou. Ele era insignificante, claramente apenas um retorno de Taylor ao caso tumultuoso com Richard Burton que definiria a segunda metade de sua vida, dando início à imprensa paparazzi como a conhecemos hoje e alterando completamente a indústria da fofoca.

    Taylor e Burton estavam cobertos de glamour o tempo todo, fogo e gelo, diamantes brancos e martinis derramados. Eles eram incendiários na tela e a prova, em meio a uma crise em Hollywood nas décadas de 60 e 70, de que algo como uma verdadeira estrela de cinema ainda existia. Não importava se eles não conseguissem trazer as pessoas para o cinema. Eles ainda dominavam a imaginação do público e a compreensão dos limites da capacidade humana, como as maiores estrelas da era dourada.

    Isso era o que Brangelina prometia. Não dá para sentir nada diferente do que o fim de uma era.

    Desde que a notícia do divórcio surgiu, os rumores de um suposto affair de Brad — e que Angelina havia contratado um detetive particular para investigar — foram descartados pelo TMZ por "fontes com conhecimento íntimo da situação".

    Qualquer um que seguiu a carreira de Angelina deveria saber bem: se passar por vítima não é o estilo dela. Conforme o divórcio avança, Angelina continua a navegar a paisagem da mídia da forma como ela faz melhor: com imagens, não com palavras; com ações, não com entrevistas reveladoras.

    A habilidade sagaz e definitiva de Angelina sempre foi amparada ao tratar de sua imagem não como o âmago que define sua vida, mas como um acessório. A vida dela não é a soma de seus papéis, seus maridos ou mesmo de seus filhos. E é por isso, mesmo com ela desaparecendo lentamente da tela dos cinemas, que sua imagem permanece central — e, como em 2005, ainda é a visão mais sedutora e controversa do que pode significar ser uma mulher hoje.

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