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Bolsonaro acusou ONGs sem provas, mas a realidade é bem diferente na Amazônia

Na Amazônia real, técnicos como Melk Alcântara, 25, convencem produtores rurais de que eles não precisam destruir a floresta para ganhar dinheiro.

Apuí, no sul do Amazonas, liderava o ranking de incêndios florestais no país quando, em 21 de agosto, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) lançou uma suspeita genérica e sem provas sobre as ONGs que atuam na Amazônia. "Pode estar havendo, não estou afirmando, ação criminosa desses ongueiros", disse Bolsonaro, sugerindo que as ONGs estariam por trás dos incêndios.

O técnico florestal Melk Alcântara, 25, só viu a declaração do presidente quando chegou em casa à noite, para assistir o telejornal. “Eu, particularmente, me senti ofendido. A gente dá um duro danado", afirmou ele ao BuzzFeed News. Cinco anos atrás, ele entrou para o Idesam (Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia) como estagiário e nunca mais saiu.

Segundo dados do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), este ano já foram registrados 93.947 focos de incêndio em florestas do Brasil. Durante o mesmo período do ano passado, foram 57.968. O crescimento no número de focos de incêndio causou uma crise internacional para o governo de Jair Bolsonaro, que defende o desenvolvimento do agronegócio e da exploração do minério na Amazônia.

O instituto onde Melk trabalha, o Idesam, atua há mais de dez anos em Apuí. Melk nasceu na cidade. Seus pais eram agricultores que chegaram ao sul do Amazonas nos anos 80, incentivados pelo governo para povoar a Amazônia e desenvolver a agropecuária. O casal acabou desistindo da terra; e Melk se formou como técnico florestal para, segundo ele, buscar alternativas de desenvolvimento sustentável no agronegócio.

Com apoio financeiro de governos — principalmente o federal, inclusive já com Bolsonaro como presidente — e outras instituições, o Idesam desenvolve projetos como o Cidades Florestais, com recursos do Fundo Amazônia, hoje em risco com a desistência de países como Alemanha e Noruega e com cortes do governo federal. O programa estimula famílias a extrair renda da floresta, como produção de óleo, sem destruir a floresta.

"Ele fez uma acusação generalizando todas as ONGs. O Idesam tem seu trabalho reconhecido aqui em Apuí", defendeu-se o técnico florestal, que todos os dias se relaciona com os produtores locais para implementar projetos como o da pecuária silvipastoril. É uma técnica de manejo que otimiza os pastos e evita as queimadas e o desmatamento. O pasto é aproveitado em porções de terra cercadas de árvores. Uma porção vai se recuperando enquanto o gado é dirigido para outra porção de pastagem.

No escritório do Idesam trabalham outras seis pessoas. Eles se relacionam com os produtores locais, acompanham o trabalho do Ibama no combate ao desmatamento e põem a mão na massa, como na última sexta-feira, em que Melk tinha de entregar quase uma tonelada de fertilizante para um fazendeiro do distrito de Sucunduri, a 30 quilômetros da cidade. Sucunduri é a região mais afetada pela queimada e pelo desmatamento. A ONG é parceira de entidades internacionais, como o Greenpeace.

Para Melk, o presidente atacou as ONGs porque segue o que chamou de "padrão Bolsonaro de desvincular o foco do problema colocando a culpa no outro". Mas, em Apuí, são raros os moradores críticos ao presidente. É a única cidade do interior do Amazonas em que o ex-capitão venceu o petista Fernando Haddad na eleição do ano passado. No segundo turno, foram 3.218 votos contra 3.046.

Tanto Melk quanto outros integrantes do Idesam afirmam que os moradores nunca se preocuparam em saber o que é exatamente o instituto, se um órgão do governo, de universidade ou uma ONG.

Agora, de tanto ouvir falar em ONG, os moradores de Apuí passaram a perguntar para os funcionários do Idesam: “Mas vocês são ONG?”

Na opinião de Melk, as declarações do presidente não terão mais efeito porque o trabalho do Idesam está consolidado na região, por meio de projetos de manejo de áreas ambientais e de exploração de atividade econômica proveniente da floresta.

A preocupação, ali, é com o desmatamento. Apuí se localiza no chamado arco do desmatamento, na porção sul do Amazonas, onde o agronegócio de Rondônia e Mato Grosso empurra a expansão das áreas de fazenda e a consequente derrubada da mata. Este ano, a cidade registrou mais de dois mil focos de incêndio e chegou a liderar, há 15 dias, o ranking dos municípios mais atingidos.

“Um sítio de floresta não tem nenhum valor. Entre ter a floresta em pé e ter o que dar de comer para a família, é bem óbvio o que a pessoa vai fazer”, diz Melk.

Como técnico do Idesam, sua função principal é convencer os criadores de que não é preciso desmatar a floresta nem queimar o pasto. Se investirem minimamente em manejo de pasto, a taxa de ocupação de 0,75 boi por hectare dobra. “Já chegamos a colocar 4 cabeças por hectare.”

Tem gente que nem quer saber disso. O fogo, na região, é uma questão cultural. Para muitos produtores, colocar fogo no pasto é a solução histórica para renovar o capim usado para alimentar os bois.

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