"Êxodo de SP por causa da crise da água é distante da realidade", diz especialista

Mudar de cidade é um dos últimos recursos. Há muitas providências a serem tomadas antes que alguém precise deixar São Paulo.

Com o agravamento da crise da água em São Paulo, as pessoas compartilharam artigos como este, que falam sobre o êxodo urbano da população. Mas isso provavelmente não vai acontecer. "Mudar de cidade é caro e seria o último recurso", diz especialista.

Ainda que o sistema Cantareira, que abastece de água mais de 8,1 milhões de pessoas, esteja com 5,6% da capacidade, "migrar não valeria a pena", diz Gabriel Kogan, 29, arquiteto formado pela USP e mestre em gerenciamento hídrico no IHE (Institute for Water Education), instituto de pesquisa sobre água da Unesco. O especialista apontou uma série de possíveis soluções para a crise hídrica paulistana em seu perfil no Facebook.

O volume do sistema vem caindo mês após mês, mesmo com chuvas e inundações na capital. O governador Geraldo Alckmin citou, nesta terça-feira, a possibilidade de utilizar a terceira (e última) cota do volume morto das represas.

"O custo de deslocamento é muito alto. É até difícil falar sobre êxodo, precisa ter uma bola de cristal. Mas acredito que é o último recurso, muitas coisas podem ser feitas antes", diz Gabriel.

Para deixar a Grande SP, os moradores teriam que arcar com despesas diversas e lidar com dificuldades como procurar novos empregos e encontrar um lugar para morar, além de custearem a própria mudança. O problema seria ainda maior no caso de famílias com crianças na escola. A mudança de grandes centros urbanos para o interior ou cidades menores leva em conta outros fatores além da falta de água.

Gabriel cita como exemplo a migração nordestina para o sudeste, intensa nas décadas de 80 e 90, que levou em conta a estagnação econômica da região e a prosperidade econômica do eixo Rio-São Paulo, além das constantes secas.

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Se o sistema Cantareira secar mesmo em março, como o presidente da Sabesp disse que pode acontecer, o desabastecimento deve atingir primeiro a população de baixa renda.

A redução de pressão da água, medida tomada pela Sabesp para reduzir a perda nas falhas de tubulação e diminuir o consumo, impacta mais as regiões mais pobres da cidade.

Os moradores que ganham menos de R$ 3.620 por mês têm uma probabilidade duas vezes maior de terem passado por cortes de água do que as pessoas que ganham o dobro desse valor, segundo uma consulta do instituto de pesquisas Datafolha.

"A decisão [de reduzir a pressão] eu considero correta para racionar o consumo; porém as áreas periféricas [e mais pobres] da cidade sofrem com a estratégia da Sabesp. A água fica sem força para chegar a locais distantes, que serão os primeiros a ficar sem água", diz Ivanildo Hespanhol, diretor do Cirra (Centro Internacional de Referência em Reúso de Água) da Universidade de São Paulo.

Os moradores devem ser atendidos, parcialmente, por caminhões-pipa, mesmo se o Cantareira ficar sem água.

Divulgação/Prefeitura de Itu

"Se a população ficar com as torneiras secas, provavelmente serão atendidas, parcialmente, por um serviço público de caminhões pipa", diz o professor Antônio Carlos Zuffo, chefe do departamento de recursos hídricos da Unicamp.

A capacidade seria limitada. "Os veículos poderiam oferecer uma média de 30 litros diários por habitante, sendo que a média é de cerca de 200 litros [em condições normais]", completa.

Uma medida eficaz de curto prazo deveria ser consertar os vazamentos no sistema paulista, segundo Newsha Ajami, da Universidade de Stanford, na Califórnia.

De acordo com a pesquisadora, o Estado perde ao menos 40% de água em falhas na tubulação.

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"Pressionado pelo impacto econômico, o poder público deve tomar medidas paliativas para evitar que a cidade não fique completamente desabastecida."

O governo tem como atenuantes da crise a interligação dos sistemas de represas, o que aliviaria a situação do Cantareira, e a possibilidade de ampliar a quantidade de esgoto tratado, que é a opção mais plausível para o momento", diz Ivanildo Hespanhol.

Tudo isso custaria menos dinheiro (e tempo) do que arcar com as consequências de um êxodo urbano de empresas e de população.

"A crise aconteceu por uma falta de planejamento do governo. A hora é de planejar o reuso de esgoto, economia de água e ampliação da rede de tratamento. Êxodo urbano ainda é algo muito distante para se pensar", completa Ivanildo.

Reprodução / Via Twitter: @FabioFleury

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Há alguns sites que acompanham de perto a crise da água. Um deles é o Boletim da Falta D'Água em SP, com informes semanais sobre a questão.

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